4.6.17

Lutar contra o quixotismo para não perder a razão

Impossível não associar o atentado em Londres àquilo que não foi atentado e podia ter sido em Turino. Quando os adeptos ouviram o que era o fogo de artifício, pensaram que o ruído era uma explosão e, portanto, um possível atentado; acreditaram que tinha chegado a sua hora, que eles eram as novas vítimas tal como outros escolhidos aleatoriamente pela Europa fora. Provocou pânico e acabou como todos sabemos.
Foi o fim da festa, o fim de uma era de despreocupação num tempo em que um fogo de artifício era apenas alegria e espanto, em que uma festa era uma festa, sem receio e sem terror. O medo está instalado na mente de cada um, uma defesa para o dia que pode chegar.

Por isso, não digam que o mal se banalizou, que os europeus já se habituaram a esta vaga de atentados, três na Inglaterra em poucas semanas, pois continuamos sem perceber como chegamos a este ponto, continuamos agarrados a uma realidade: eles contra nós.

É sabido que os israelitas, constantemente ameaçados por bombistas suicidas, aprenderam a adotar comportamentos de defesa, por exemplo, nunca se viram de costas quando instalados numa esplanada; desconfiam de qualquer comportamento ou objeto suspeito (o que é um comportamento ou objeto suspeito, não estamos sempre rodeados deles?). Devemos também viver num ambiente de suspeitas e de delação? Uma espécie de guerra fria não declarada? Após cada atentado, ouvimos sempre as mesmas declarações, que não cederemos ao medo, que a nossa vida deve retomar o seu curso normal porque neste momento é a única forma de lutar contra a vaga de terror que assola a Europa (ou uma parte dela, sejamos justos). Contudo, temos que reconhecer que paira no ar uma sensação de impotência, a consciência de que pouco ou nada se pode fazer face à loucura destes homens que abraçaram uma causa que lhes parece mais justa do que a própria vida. A pergunta talvez não seja: como evitar o próximo atentado? Mas antes: o que leva estes homens a acreditar que a sua causa legitima o sacrifício de tantas vítimas inocentes? Inocentes para nós. Culpados para eles. Sem nenhuma zona cinzenta.

De facto, os terroristas vivem como D. Quixote, sem querer ferir a sensibilidade de quem vê nessa personagem um herói simpático e comovente, mas passo a explicar. D. Quixote encarna, sob a forma de uma comédia amarga e picaresca, um drama existencial, uma tragédia humana na medida em que não vê o mesmo que os outros veem, mas sim outra coisa que ninguém vê e que é mais verdadeira do aquilo que todos os outros constatam, só ele tem razão, contra todos e por isso persiste na sua denegação. O denegador funciona por ato de fé, a razão vem a seguir, para dar um toque lógico à desrazão pura. A História abunda em partidários da desrazão pura: a crença de que um povo deve ser exterminado por ser uma ameaça à pureza da raça; os milagres dos países comunistas onde a felicidade é maior do que em qualquer outra parte do mundo; um presidente que acredita que o aquecimento global é uma invenção para prejudicar o seu país. Não faltam exemplos em que se transformam ficções em realidade para abusar da credulidade daqueles que precisam de acreditar porque neles reina o vazio da existência.

Se nós também não preenchermos esse vazio com valores seguros, valores humanistas, poderemos também transformar-nos em D. Quixote e cair na loucura da ilusão, partir numa luta para defender o que pensamos ser uma questão de honra, uma causa absoluta em que o bem e o mal não se misturam, mas que no fundo é apenas ilusão porque a verdade mata, a verdade de que todos nós somos culpados de alguma forma, porque pensar o real é encontrar-se consigo próprio.

Lutar contra o terrorismo é encarar a realidade tal como ela é, sem medo de encarar as injustiças e as hipocrisias com as quais pactuamos diariamente, senão corremos o risco de entrar em pânico sempre que ouvirmos um fogo de artifício, ou pior, de nos sentarmos numa esplanada em posição de defesa.

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