Impossível não associar o
atentado em Londres àquilo que não foi atentado e podia ter sido em Turino. Quando
os adeptos ouviram o que era o fogo de artifício, pensaram que o ruído era uma
explosão e, portanto, um possível atentado; acreditaram que tinha chegado a sua
hora, que eles eram as novas vítimas tal como outros escolhidos aleatoriamente
pela Europa fora. Provocou pânico e acabou como todos sabemos.
Foi o fim da festa, o fim de uma era de despreocupação num tempo em que um fogo de artifício era apenas alegria e espanto, em que uma festa era uma festa, sem receio e sem terror. O medo está instalado na mente de cada um, uma defesa para o dia que pode chegar.
Foi o fim da festa, o fim de uma era de despreocupação num tempo em que um fogo de artifício era apenas alegria e espanto, em que uma festa era uma festa, sem receio e sem terror. O medo está instalado na mente de cada um, uma defesa para o dia que pode chegar.
É sabido que os israelitas,
constantemente ameaçados por bombistas suicidas, aprenderam a adotar
comportamentos de defesa, por exemplo, nunca se viram de costas quando instalados
numa esplanada; desconfiam de qualquer comportamento ou objeto suspeito (o que é
um comportamento ou objeto suspeito, não estamos sempre rodeados deles?). Devemos
também viver num ambiente de suspeitas e de delação? Uma espécie de guerra fria
não declarada? Após cada atentado, ouvimos sempre as mesmas declarações, que
não cederemos ao medo, que a nossa vida deve retomar o seu curso normal porque
neste momento é a única forma de lutar contra a vaga de terror que assola a
Europa (ou uma parte dela, sejamos justos). Contudo, temos que reconhecer que
paira no ar uma sensação de impotência, a consciência de que pouco ou nada se
pode fazer face à loucura destes homens que abraçaram uma causa que lhes parece
mais justa do que a própria vida. A pergunta talvez não seja: como evitar o
próximo atentado? Mas antes: o que leva estes homens a acreditar que a sua
causa legitima o sacrifício de tantas vítimas inocentes? Inocentes para nós. Culpados
para eles. Sem nenhuma zona cinzenta.
De facto, os terroristas vivem
como D. Quixote, sem querer ferir a sensibilidade de quem vê nessa personagem um
herói simpático e comovente, mas passo a explicar. D. Quixote encarna, sob a
forma de uma comédia amarga e picaresca, um drama existencial, uma tragédia
humana na medida em que não vê o mesmo que os outros veem, mas sim outra coisa
que ninguém vê e que é mais verdadeira do aquilo que todos os outros constatam,
só ele tem razão, contra todos e por isso persiste na sua denegação. O denegador
funciona por ato de fé, a razão vem a seguir, para dar um toque lógico à
desrazão pura. A História abunda em partidários da desrazão pura: a crença de
que um povo deve ser exterminado por ser uma ameaça à pureza da raça; os
milagres dos países comunistas onde a felicidade é maior do que em qualquer
outra parte do mundo; um presidente que acredita que o aquecimento global é uma
invenção para prejudicar o seu país. Não faltam exemplos em que se transformam ficções
em realidade para abusar da credulidade daqueles que precisam de acreditar
porque neles reina o vazio da existência.
Se nós também não preenchermos
esse vazio com valores seguros, valores humanistas, poderemos também
transformar-nos em D. Quixote e cair na loucura da ilusão, partir numa luta
para defender o que pensamos ser uma questão de honra, uma causa absoluta em
que o bem e o mal não se misturam, mas que no fundo é apenas ilusão porque a
verdade mata, a verdade de que todos nós somos culpados de alguma forma, porque
pensar o real é encontrar-se consigo próprio.
Lutar contra o terrorismo é encarar
a realidade tal como ela é, sem medo de encarar as injustiças e as hipocrisias com
as quais pactuamos diariamente, senão corremos o risco de entrar em pânico
sempre que ouvirmos um fogo de artifício, ou pior, de nos sentarmos numa
esplanada em posição de defesa.
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