3.8.14

A decisão

Como vi alguém assinalar, estamos a viver o nosso fim de semana Lehman e imagino que neste momento devem continuar a desmultiplicar-se um sem número de contactos ao mais alto nível entre o Banco de Portugal, o Governo, a Comissão Europeia (que a 18 de dezembro último aprovou um plano de ajuda a 5  dos maiores bancos eslovenos com perda total de capital para os acionistas), banqueiros nacionais e internacionais e muito provavelmente gente ligada aos governos dos principais países europeus, a começar por Espanha ou pela chanceler alemã. 

É muito provável que as notícias que têm vindo a público sobre a forma de começar a resolver os problemas do BES sejam corretas e correspondam ao que será anunciado mais logo. Claro que há bancos e fundos com algum peso internacional, como o Blackrock, o Credit Agricole ou o Bradesco que vão perder imenso dinheiro neste lance, embora seja possível montar um esquema que lhes permita não ficar completamente a ver navios (ver mais abaixo). 

Claro que logo podemos ter um comunicado do BP num sentido completamente contrário, mas vamos partir do princípio de que isso não vai acontecer.

Para os pequenos acionistas a dor e o impacto vai ser, como é evidente, grande. Creio que muitas vezes nos esquecemos de que investir na bolsa significa comprar participações em empresas e que as empresas podem falir. Investir em bolsa é como montar um negócio, com a diferença de não termos o trabalho e as chatices, mas também abdicarmos do poder decisório que confiamos ao trabalho de outras pessoas. Nesse sentido, por muito que nos custe admitir e por muito estranho que possa parecer, nada há de anormal no facto de os acionistas perderem tudo. Por mais inacreditável que pareça, o BES foi à falência e só não vai fechar portas porque isso seria o caos e o inferno. 

Convém repetir num parágrafo só, porque muitas vezes há gente que gosta de pôr flores nas palavras como se isso fosse mudar a realidade. O maior banco nacional ainda há dois meses atrás faliu! Um império com século e meio de vida deixou de existir e arrastou consigo as economias de milhares de pessoas! É inacreditável, mas para o bem e para o mal nada existe aqui que não corresponda às regras do jogo do capitalismo, que são aceites tacitamente por quem vive nas sociedades ocidentais. 

Bem sei que para aqueles que perderam parte das economias de uma forma tão estúpida e traiçoeira este pesadelo é brutal e impossível de assimilar. Fala-vos quem já perdeu imenso dinheiro em maus negócios na bolsa. Preservem a vossa saúde e tentem recuperar o ânimo! Não vale a pena gastarmos muito tempo a tentar encontrar culpados, porque essa é uma tarefa para os tribunais. A nossa tarefa pessoal vai ser tratar de aprender com isto, de maneira a garantir que possamos recuperar estas perdas logo que seja possível. Estamos convencidos de que se for esta de facto a solução adotada, apesar de ser muito dolorosa no curto prazo, ao preservar os contribuintes e ao estabelecer um exemplo, vai tornar a economia mais forte e fazer com que possamos ter uma recuperação mais rápida. Na bolsa como na vida só perde de facto quem desiste ou quem não aprende.

Se for aplicado o que tem sido noticiado, na prática, as ações dos atuais acionistas deixam de existir o que significa que vai ser possível mais ou menos rapidamente estabilizar o banco e criar, a partir do nada, novas ações que vão ser vendidas numa IPO para ressarcir o estado. É aqui que pode haver algum acordo mais ou menos tácito para que os grandes acionistas tenham uma espécie de acesso privilegiado que os recompense da perda que agora assumem. É possível até que seja estendido esse privilégio à totalidade dos atuais acionistas.

Algumas palavras sobre a forma com atuaram o BP e a CMVM. É impossível que pessoas inteligentes e experimentadas não tivessem percebido desde o início que o estoiro do GES ia afetar o BES de uma forma brutal. E é inacreditável que não se tivessem apercebido que aqueles que se mostravam interessados para entrar num salvador AC, iam rapidamente bater em retirada mal se começasse a falar em incumprimentos e proteção contra credores. E é imperdoável que se continuasse a falar como se estivesse tudo controlado. Nem sequer é uma questão de economia. É uma questão intrínseca ao funcionamento do ser humano e consequentemente da sociedade. Um incumprimento destrói a confiança e retrai o investimento. É uma lei da natureza, universal e omnipresente. 

Quanto à questão de se não ter parado a negociação do BES mais cedo, não concordo que tal se devesse ter feito. Quando o banco apresenta 3600 milhões de prejuízo, o destino está traçado e o investidor sensato tinha que fechar a posição longa fosse a que preço fosse e era inaceitável que tal lhe fosse negado. É verdade que havia sempre uma réstia de esperança (há sempre esperança) de o pior ser evitado, pelo que continuava a haver risco na venda. Quem comprou confiou nessa réstia de esperança e sabia que podia ter um lucro brutal porque qualquer subida ia ser sempre a pique. Estamos, pois, em crer que parar a negociação na quarta ou na quinta-feira seria impedir a tomada de decisões consciente quando todos já tinham a informação de que precisavam para negociar.

Por fim, uma última nota para o BPI e para o BCP. A prazo fica a ideia de que poderão ter muito a ganhar, pois afinal de contas é um concorrente direto que, na melhor das hipóteses, sai da primeira divisão da banca nacional. Mas no curto prazo, ficaríamos muito admirados se não ficassem sobre grande pressão, pois é provável que o estoiro do BES comece por levar a uma grande aversão pelos bancos portugueses. Do ponto de vista técnico, por outro lado, tanto um como o outro quebraram em baixa na sexta-feira a EMA200 o que, para nós, costuma ser sinal para bater em retirada.

Nas próximas semanas, estarei de férias. Deixo o expediente entregue ao Renato e ao Fernando. Boas férias para todos e/ou bons negócios.

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