15.10.18

Um país de medo e de esmolas (2ª parte)

Continuação

De maneira que, para praticamente todos os efeitos, Portugal não tem bolsa. Em vez disso, tem apenas banca. O português enfia o dinheiro no banco e, em troca de nada, crê ingenuamente que não corre riscos. O problema é que o banco, como tivemos oportunidade de verificar nestes últimos anos, está sempre respaldado se os investimentos que fizer correrem mal. No limite, o orçamento de estado, isto é, o dinheiro reunido com os impostos de todos, tem de acudir em caso de necessidade. E existem todos os incentivos para que essa necessidade venha mesmo a ocorrer. O banco é gerido por homens que jogam com dinheiro que não é deles numa empresa de responsabilidade limitada e que não pode falir sob pena de risco sistémico. O que pode correr mal?

O que pode correr mal num país onde o financiamento se faz quase exclusivamente através da banca? Tudo pode correr mal!

O que vêem de estranho nesta notícia do JN? O chefe usa as poupanças pessoais para se salvar da bancarrota! A pergunta é: o que é que isso tem de estranho? Se não usasse as suas poupanças, numa empresa que é dele, iria usar as de quem? Se a empresa fosse pública, se houvesse investidores privados que possuíssem ações, estes provavelmente seriam chamados a um aumento de capital, ou teriam que assistir, pura e simplesmente, à queda do valor unitário por força das próprias dificuldades da empresa ou por esta estar a criar ações do nada e a despejar no mercado. Mas o que toda a gente estaria a pensar neste caso em concreto (incluindo o próprio jornalista que escreveu o artigo) é que o financiamento para evitar a hecatombe só podia ter uma origem: a banca! Dito de outra forma, o dinheiro para salvar o cozinheiro teria de vir do bolso dos depositantes, sem estes receberem nada em troca, e se a coisa desse para o torto seriam esses mesmos depositantes, agora no papel de contribuintes, que teriam que acudir. 

São estas, pois, as causas imediatas da nossa pobreza. Uma aversão confrangedora ao risco que nos colocou à mercê da catástrofe económica que se abateu sobre a nossa geração. Os caçadores de depósitos a prazo com taxas mirabolantes de 1% ou menos são os mesmos que agora acham eleitoralista um orçamento que distribui misérias e os mesmos que chamam especuladores a quem arrisca na bolsa ou em qualquer outro mercado, tentando compor o orçamento familiar, ao mesmo tempo que dinamizam a economia que é de todos e ainda pagam impostos por isso (como tem que ser!). 

A bolsa portuguesa só vai existindo porque há investidores estrangeiros, que se estão nas tintas para o nosso bem estar (muitas vezes, aqui sim, faria sentido falar em especuladores), mas que não desdenham negócios como às vezes nós também proporcionamos.

Estes estiveram na EDP (e bem!) até lhes ter começado a cheirar que os lucros estrambólicos da elétrica, feitos à custa das restantes empresas nacionais e dos consumidores privados, podiam levar uma lambidela. Então, puseram-se no piro.

No BES os fundos da Blackrock e outros perderam milhares de milhões enganados à grande quando estavam a contar mamar pelo menos como outros mamaram em Angola.

E sabem por que é que a Sonae falhou a OPV do Continente? Porque nenhum dos investidores internacionais está para investir numa empresa que tem uma margem de lucro inferior a 5%, num país onde os consumidores estão mais do que rebentados sob o peso da dívida, dos impostos e da desigualdade (o César Borja ainda sugeriu que a Sonae vendesse ações nas caixas dos hipermercados; ainda se fosse raspadinhas!). Os mesmos consumidores que não compram ações e preferem enfiar o dinheiro em depósitos para que os banqueiros os tramem. Os mesmos consumidores que depois se queixam de que os banqueiros são uns sacanas. E os mesmos consumidores que morrem de medo de perder dinheiro e acham que quem investe na bolsa são os especuladores e se pelam todos pelas esmolas que o governo benévolo lhes atribui depois de lhes sacar mais de um terço do salário em impostos.

Mas, verdade seja dita, também não é justo atribuir exclusivamente à falta de arrojo do povo adepto de depósitos a causa da nossa penúria. Aqueles que preferem manter a cheta estacionada à discrição do banqueiro sabem que a probabilidade de investirem numa empresa que os roube na bolsa também não é nada pequena. Na bolsa portuguesa não são muitas as empresas que hoje valem mais do que quando foram para o mercado e, salvo honrosas exceções, não é sensato investir a longo prazo. A maior parte dos gestores veio do mesmíssimo saco de onde vieram os banqueiros. Não existe uma cultura de criação de valor, uma postura paciente de investir a prazo sem dar passos maiores do que as pernas. Está-nos no sangue esta sede por dividendos rápidos e exíguos que rapidamente descapitalizam e nos deixam em maus lençóis.

E depois, pura e simplesmente, somos genericamente (perdoem-me a franqueza, mas contra mim falo) um povo de pacóvios ignorantes que os outros adoram enganar. Deixo-vos um exemplo que costumo usar em conversas com amigos e de que já aqui falei. Em junho de 2007 a Martifer fez a sua OPV e foi para a bolsa na última das grandes loucuras do nosso mercado. As ações foram vendidas a 8 euros, tendo aberto no dia de estreia 50% acima. A empresa angariou quase 200 milhões de euros e tinha um plano ambiciosíssimo para aplicar esse dinheiro. Ao leme iam os irmãos Martins, metalúrgicos de Oliveira de Frades, que se encarregaram de espatifar a guita toda em negócios imobiliários mirabolantes na Polónia e em cenas de energia alternativa de que não percebiam peva. O resultado, ao fim de pouco mais de 10 anos, foi as cotações terem descido para os 40 cêntimos e a empresa acumular mais de 200 M€ de dívida. Os investidores que não saíram entretanto (os que não foram especuladores!) não só alombaram com um prejuízo de 95%, como ainda estão a amparar o Novo Banco onde para a maior parte do calote desta gente.

E é isto o nosso país, muito mais parecido com o terceiro mundo do que gostaríamos que fosse. Enfim, resta-nos o consolo de que outros estarão bem pior!

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