14.10.18

Um país de medo e de esmolas

Desde a recuperação encetada pelas bolsas em abril de 2009, seis meses depois do crash motivado pelo colapso do Lehman Brothers, o Dax de Frankfurt subiu 220%, o Cac em Paris pouco mais do que duplicou, o Ibex em Madrid subiu 32% e o S&P500 mais do que quadruplicou. O PSI20 caiu 12%, sendo que mais nenhuma bolsa nos países desenvolvidos acumula perdas nestes quase 10 anos. 

É incrível como calhou termos nascido num país tão fraco para investir e eu diria que é preciso muito tino para conseguir fazer dinheiro num ambiente como este. Acontece que a bolsa, embora esteja muito descaracterizada em relação à economia real do país, continua a ser um retrato da nossa realidade em termos económicos, um país podre, a rebentar pelas costuras das corrupções e compadrios que levaram a dívida pública à estratosfera e em que um orçamento de estado é considerado eleitoralista por baralhar a redistribuição das migalhas que sobram depois de rapar o tacho da brutal coleta de impostos a que estamos sujeitos. 

Muitos portugueses ignoram para que serve a bolsa e muitos daqueles que julgam conhecer alguma coisa sobre os mercados não vão além da imagem rasteira do especulador ávido e sedento de ganhos rápidos à custa da ingenuidade dos outros.

Pois bem, originalmente, a bolsa era onde as empresas se financiavam antes da existência da banca moderna. Era e ainda é! Aqueles que não tinham vindo ao mundo munidos do espírito empreendedor necessário para criar empresas ou desenvolver um negócio, não tinham que ficar de parte e podiam participar no processo de criar riqueza desde que estivessem dispostos a colocar os recursos do seu próprio trabalho ao serviço do investimento.

Ao abrir o capital aos investidores privados, as empresas distribuíam os riscos e recebiam o financiamento que lhes permitia crescer; ao disponibilizar um mercado onde os títulos fossem negociados, a bolsa criava condições de confiança para aqueles que tinham capital disponível pudesse colocar esse capital ao serviço do trabalho e do engenho de outros. Nada há aqui de jogo nem de especulação. O que seria da McDonalds, da Coca-Cola, da Microsoft ou de milhares de outras empresas a nível mundial se não pudessem contar com o financiamento dos particulares que colocaram as suas economias diretamente ao serviço do investimento? 

A criação de mercados de capitais desenvolvidos e onde todos pudessem participar informadamente foi a condição que permitiu aos países enriquecer. Isso e o engenho que levou ao desenvolvimento científico e tecnológico. Nunca foram as matérias-primas a trazer riqueza a um país, como ingenuamente pensam tantos daqueles que acham que vivemos num país pobre porque tivemos azar. Aliás, se pensarem bem, apontem um país que seja rico porque é rico em matérias-primas, seja ouro, petróleo ou diamantes. Não há! Contudo, nunca houve país nenhum no mundo onde existisse ciência e mercados financeiros desenvolvidos que não se destacasse dos outros em termos de desenvolvimento económico. Claro que ciência e mercados financeiros estão intimamente interligados e um e outro requerem coragem e confiança.

Portugal nunca teve ciência e talvez por isso também nunca tenha tido mercados financeiros. O português preferiu deixar o financiamento das empresas nas mãos dos banqueiros em vez de tomar a iniciativa por si só. Talvez tenha pensado que os banqueiros, por serem mais instruídos (!), tomassem decisões para as quais não se sentiam habilitados, mas o mais provável foi pensar que nunca perderia dinheiro por deixar a tomada de decisão de financiar nas mãos da banca. Perdeu e não foi pouco, como se pode ver pelo estado em que o país se pôs. 

Na bolsa, quem acorre a uma oferta de ações financia a empresa em que investe, assume para si parte do risco empresarial e espera obter lucros caso a sua leitura esteja correta. Por detrás tem um mercado onde pode sempre passar o seu investimento a outros caso sinta que incorreu em erro ou se, pura e simplesmente, necessitar de liquidez. Para além disso, o próprio andamento dos mercados vai servindo de barómetro diário à qualidade do investimento que fez. Seja como for, se correr mal, o risco é de cada um e o dinheiro perdido também (que o digam os acionistas do BES de quem ninguém fala nem andaram a gemer pelos cantos como os célebres lesados a quem o governo acudiu).

Continua amanhã.

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