2.9.14

Os russos

Numa das nossas últimas intervenções dissemos que achávamos fundamental ao bom trader a leitura de livros de história em vez de desnecessários e pouco interessantes livros sobre bolsa que muitas vezes mais não são do que manuais de auto-ajuda. Pois bem, agora concretizamos.

Uma das leituras a que deitamos mão nas férias foi o magnífico "A queda de Berlim 1945" do historiador inglês Antony Beevor.


O livro narra, como o próprio título indica, os acontecimentos que, nos primeiros meses de 1945, ditaram a implosão do regime nazi e a consequente destruição da Alemanha e da sua capital. Evidentemente, foi o clímax de uma época em que o nível de destruição e de completa selvajaria entre seres humanos foram levados e um extremo como jamais terá acontecido em toda a história da nossa existência neste planeta. E o livro faz uma descrição, quer do ambiente entre os civis, quer das manobras dos militares que não economiza nos detalhes e que, por isso, nos transporta para um mundo que ninguém pode colocar a hipótese de que se venha a repetir.

Um dos aspetos que salta à vista no texto é o facto de a larguíssima maioria das páginas dizerem respeito aos feitos militares dos soviéticos e às decisões mandatórias que a partir do Kremlin Estaline despachava para os seus generais. Para o soldado soviético não havia outra saída que não a aniquilação e humilhação completa do inimigo. Para ele, cair prisioneiro era pior do que morrer, porque significava o terror dos campos de concentração nazis ou o gulag da Sibéria se se desse o caso de ser libertado. Foi a ferocidade destes soldados soviéticos, aliada ao número impressionante de efetivos que, em grande medida, tornou possível desmatelar a máquina de guerra nazi.

É certo que, depois da operação barbarossa, cabia aos russos uma grande quota parte da sede de vingança contra os nazis, mas que dizer dos franceses que viram a sua capital invadida e subjugada ou dos ingleses que foram bombardeados sem piedade meses a fio? A verdade é que os russos agiam com a frieza daqueles que nas maiores adversidades parecem não hesitar, porque tinham a certeza de que todas as alternativas eram infinitamente piores. Com os corpos cheios de álcool (quando não líquido dos travões ou combustível de avião), os soldados soviéticos violaram e mataram sem piedade nem problemas com as baixas que sofriam (na invasão de Berlim, as baixas entre os soviéticos foram incrivelmente superiores às baixas nazis) porque do Kremlin vinha a voz de comando que tinha de ser obedecida sem hesitação.

Hoje estamos outra vez em guerra com os russos. Felizmente, ainda não há soldados nos campos de batalha, nem se perspetiva que tal venha a verificar-se (para além do que acontece no leste da Ucrânia), mas estamos numa guerra que os russos têm todas as condições para vencer, porque, tal como aconteceu há 70 anos atrás, tirando meia dúzia de renegados do sistema (como por exemplo as excêntricas Pussy Riot), a maioria dos russos sabe que não há alternativa senão seguir o líder. É por isso que as sanções que os ocidentais lhes estão a aplicar, e que tanta mossa fazem na população, não estão a surtir efeito e é provável que este episódio ainda venha a azedar bastante mais.

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