13.9.15

Plataforma

Michel Houellebecq é aquele escritor francês que nos últimos anos tem vindo a aperfeiçoar a arte de se apresentar em público com o aspeto mais abadalhocado que é possível, cabelo desgrelhado, cara toda gretada, roupa cheia de nódoas e um ar de quem anda a fazer um frete bestial ao mundo por se ter dado ao trabalho de nascer! Sempre dei por adquirido que os livros, tal como muitas outras coisas neste mundo, têm que sobreviver ao teste do tempo para que lhes possamos dar uma oportunidade, no escassíssimo tempo que tempo para os ler. Foi por isso que sempre privilegiei os clássicos, comecei por deitar mão aquelas obras que as décadas e os séculos não conseguiram fazer esquecer, e fugi a sete pés de best sellers ou literatura da moda que nos fazem gastar o nosso precioso tempo e não acrescentam mais do que aquilo com que ficamos se nos plantarmos em frente a um televisor! Mas houve uma altura em que fiquei curioso com este Michel H. que tinha ficado famoso não só pelos livros como pela língua afiada, acabando inclusive perseguido pelos radicais islámicos de quem se escondeu depois dos assassinatos do Charlie Hebdo. Foi assim que me deu para comprar As partículas elementares, livro que nos fala de uma certa visão particular que se adquire sobre o mundo à medida que vamos envelhecendo, uma visão cínica é verdade, a partir do ponto de vista de personagens a quem a meia vida vai fazendo verdadeira mossa e que parecem tão perdidos no mundo quanto são fortes as convicções que põem em tudo quanto fazem. Como o livro não me desagradou e me trouxe ensinamentos pensei em repetir a experiência e agendei para as férias mais uma leitura de Michel H. Escolhi Plataforma, publicado em França em 2001, e que no nosso país é publicado pela Relógio D'Água.


Plataforma é uma história de amor, uma história de amor do século XXI, narrada com a arte e a elegância (não confundir elegância com subtileza - o livro tem potencial para ser visto apenas como pornográfico pelas mentes menos treinadas) que só está ao alcance dos escritores que valem pelo que efetivamente escrevem e não pela quantidade de livros que vendem. O texto tem aquela magia especial que sempre procuramos nos livros (e que só encontramos se formos escrupulosos nas escolhas do que lemos), que é o facto de não ficarmos exatamente a mesma pessoa depois da leitura que éramos antes de lhe termos passado os olhos. Mais uma vez, tal como em As partículas... está em causa a desilusão com o mundo, e com o que é a vida, em que inevitavelmente caímos quando nos atinge a meia idade e o livro é como que uma ida à missa, em que o padre nos aconselha o que devemos fazer para lidar com esse desencanto, mas em vez da reza e do ato de contrição, levamos com a circunstância de que não só não temos cura, como inclusive... vai piorar! Do argumento nada mais direi porque há abundância de resenhas na net para quem ainda tem dúvidas, mas se a palavra de alguém não tem grande experiência de literatura moderna vale de alguma coisa, direi que vale bem a pena testar esta Plataforma!

Nota final: depois da leitura do livro, fica mais fácil compreender os atentados de Bali de outubro de 2002!

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