6.5.17

Presidenciais francesas: a segunda volta do faz de conta

A partir do momento em que a vitória de Emmanuel Macron é dada como certa, os mercados reagem com otimismo, é o candidato que todos querem. Por isso, a única dúvida neste momento é com que percentagem. A verdadeira vitória é, então, conseguir uma percentagem significativa, acima dos 60 %, que negue ao partido fascista da Frente Nacional uma vitória política.

Vitória dos valores democráticos? Era ótimo que assim fosse. Contudo, esta segunda volta anula qualquer debate, qualquer escolha para os franceses entre duas verdadeiras propostas de sociedade, deixando o mesmo vazio que alimenta a subida do populismo há décadas. Voltará tudo ao mesmo, se bem que, na verdade, com mais algumas sequelas.

Resta a pergunta: não será a própria democracia a alimentar uma Marine Le Pen? Para perdurar, o sistema precisa de um lobo mau facilmente identificável, condenável, que justifica o apelo, por exemplo, de Barak Obama ou da Amnistia Internacional. Parece que só conta o resultado, seja a que preço for.


O mais preocupante é, efetivamente, pensar que Marine Le Pen serve o sistema estabelecido. O melhor que podia acontecer a Macron ou mesmo a Fillon, se não fossem os casos de justiça (convenientemente desenterrados? Tal como já sucedera a Dominique Strauss Khann) a afastá-lo da corrida, seria ter um adversário da extrema-direita de maneira a ser uma eleição com uma única volta. 

Porque não se combate realmente estes partidos fascistas, de raiz profunda e longe de serem simples movimentos populistas de moda? Todos concordam: estas presidenciais foram as mais pobres ideologicamente da Quinta República Francesa: ausência de debate, de ideias, de propostas. Também o fim da clivagem esquerda/direita que vinha a definir a paisagem política de grande parte da Europa. Nunca na Quinta República tantos candidatos afirmaram o seu catolicismo, em resposta a um islamismo radical crescente, mas sem questionar o que se perdeu, sem questionar a perda gradual dos valores humanistas que estavam inicialmente na base da construção europeia reduzida agora a um projeto económico.

Porque o mais importante para um político, atualmente, é construir uma carreira. A política transformou-se num show business (não fosse o melhor representante o famoso Donald Trump). Os políticos são produtos de marketing que recorrem aos publicitários para conduzir a sua campanha. Já em 1981 o presidente François Mittérand percebeu a importância da comunicação para se chegar ao poder, a escolha do publicitário Seguela foi determinante para a sua vitória. Todos os políticos compreenderam que, para ganhar, é preciso saber vender um produto, independentemente da sua qualidade, e hoje vender é defender a Europa, é indignar-se contra o populismo e o fascismo, sem proposta de alternativa. A própria Marine le Pen ou Mélenchon defenderam, primeiro, o fim da Europa para marcar a diferença e conquistar um eleitorado esquecido, menosprezado, a França rural e popular, só que, no final, numa tentativa de alargar o seu eleitorado, já não eram bem contra. Marine le Pen, de lobo mau passou a uma figura quase frequentável, desdiabolizada, que conseguiu passar para a segunda volta e que hoje afirmou o seu partido como um partido a par dos outros.

Nesta fase, todos apelam a votar Macron. Assim, amanhã os franceses não vão escolher entre dois modelos de sociedade, vão apenas escolher o mal menor. Uma eleição sem segunda volta numa das democracias mais maduras da Europa.

Quanto tempo ainda poderemos brincar com o fogo?

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