13.1.18

A História Natural da Estupidez

A dúvida que fica depois de lermos a História natural da estupidez é de perceber como pode um ser humano, neste caso, Paul Tabori, ter adquirido tanto conhecimento da história, numa época, bem entendido, em que não havia Internet e a única forma de acedermos à informação era a frequência assídua de bibliotecas e arquivos. A façanha é de tal monta que, em não raras ocasiões, ficamos a pensar que o autor está a inventar, mas Tabori escreve com uma erudição e tanto bom gosto que isso deixa de ter importância. No fundo, o livro é tão bom, tão rico e esclarecedor que, para nós, acaba por ser mais do que suficiente o lema de uma conhecida publicação nacional: se não aconteceu podia ter acontecido



A história que Tabori nos conta é composta por um sem-número de episódios em que a estupidez humana e a arte do mentecapto e do lorpa atingiram níveis de sofisticação que acabaram por ter alguma influência (ainda que mínima) na nossa própria existência coletiva. 

Desde a história dos conquistadores da América que fizeram das tripas coração, com consequências fatais para as tribos indígenas, para darem com o mítico El Dorado, passando pelos loucuras estrambólicas de muita cabeça coroada (na época do rei Sol, quando morria um monarca francês, o corpo era embalsamado e ficava quarenta dias por enterrar... sobre o seu catafalco descansava a efígie do rei, moldada em cera, de coroa na cabeça, e empunhando um ceptro. A efígie merecia o mesmo respeito do próprio monarca vivo, capaz de se levantar de manhã, tomar as refeições quotidianas e ir para a cama), passando pelo relato de tantos e tantos casos em que a burocracia e a lei atingiram níveis de estupidez estratosféricos ou de eventos fantásticos em que muita gente acreditou sem cuidar de verificar (É bem sabido que em Portugal, no distrito de Lisboa e do Tejo, as éguas viram costas ao vento ocidental e são fertilizadas por ele. Os potros nascidos desta união são extremamente velozes, mas não vivem mais de três anos.). 

E que dizer do néscio tolhido pela estupidez de falar em desconhecimento de causa (um exemplo: um físico austríaco escreve, em 1911, um extenso artigo que começa assim: O Sr. Tesla (refere-se ao físico croata-americano responsável pelo motor de corrente alternada e pela eletrificação do mundo) promete-nos uma transformação do mundo; o seu invento intitula-se "A mensagem elétrica mundial" e tem a audácia de afirmar que pode construir um aparelho capaz de transmitir voz e palavra impressa ou escrita a qualquer distância... Vai ainda mais longe, dizendo que é possível construir um instrumento transmissor de música... isto basta para provar que o pseudocientista é um perigoso sonhador.), ou o caso de Paracelso, o famoso alquimista, que, a páginas tantas, nos deixa a receita para fazer um ser humano sem intervenção feminina (colocar uma quantidade suficiente de semente humana num alambique; selá-lo e conservá-lo durante quarenta dias à temperatura correspondente ao calor do interior de um cavalo até que ela comece a crescer, a viver e a mover-se...). E isto continua no mesmo tom ao longo de todo o livro, em páginas que se lêem com um sorriso nos lábios e uma satisfação que só os grandes escritores nos podem proporcionar, ainda que não sem um ligeiro aperto no estômago.

Não se trata, portanto, de casos comezinhos de estupidez rasca, inocente e apenas assente na ignorância mais refinada, mas de qualquer coisa de intrínseco à própria humanidade que, definitivamente, é conveniente conhecer para que consigamos contornar a nossa inclinação natural a ser estúpidos!

A História Natural da Estupidez
Paul Tabori, 1993
Book Builders, 2017
355 páginas

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