O meu amigo Tavares sempre acaba os discursos com uma lista das vantagens de jogar na bolsa. Se fosse quando eu era chavalo mandava-o foder na hora porque me parecia inadmissível que se utilizasse o verbo jogar em vez dos muito mais solenes negociar ou investir, mas agora que o peso dos anos já me verga e estou numa de deixar a conversa fiada para trás, acho mesmo que isto é um joguito que nós para aqui temos. E já chego ao ponto de fazer ponto de honra em assumir sem rodeios que a bolsa não passa do meu petit casino e, desde que lhes deu na cabeça para inventar os smartphones, ando tão entretido com a jogatana que, de forma paradoxal, volto a sentir-me chavalo de novo! E que bem me sabe deixar para lá o peso de palavras como investimento e abraçar o jogo pelo jogo com touros e ursos como adversários. Demais a mais, com uma probabilidade de acerto às cegas de 50% não se pode dizer que o jogo seja fatela, sendo que muitas vezes se ganha quando se começa por perder o que, parecendo que não, torna a pipoca bastante mais doce. Bem vistas as coisas, chega a ser cómico forçar o verbo investir, porque quando se investe parte-se do princípio de que nos propomos criar valor, emprego, produtos, serviços, etc., e que peva criamos nós ao arriscar o nosso pilim na bolsa? Só se for aquela parte que passamos para as mãos do fisco quando nos calham mais-valias e também é possível que se entenda que o investimento está numa fase posterior quando, depois de se ganhar dinheiro no jogo da bolsa, se canalizam recursos para atividades produtivas. Claro que eu não conheço ninguém que, depois de aprender a fazer dinheiro sem trabalhar jogando na bolsa, lhe dê na cabeça pôr-se com ideias de investir numa caca produtiva. Valha a verdade que isso só acontece se o indivíduo estiver passado dos carretos e nem é preciso irmos aos gurus dos mercados para ver que nenhum teve a fraca ideia de se pôr com canseiras depois de dar umas tacadas acertadas no jogo da bolsa. Quando muito, pode haver quem pense que investimos quando participamos em aumentos de capital e entregamos o nosso cacau a gestores que sabem muito mais do que nós e não se importam de ter a trabalheira de criar valor, mas creio que não preciso de fazer um desenho para que aqueles que vão teimando nesta forma de investimento percebam que, mesmo nesse caso, tudo não passa de um jogo em que só ganharão se tiverem uma sorte estupenda! De maneira que agora, quando o Tavares me vem com a lista das vantagens de jogar na bolsa, já não me ponho a fazer orelhas moucas como se ele fosse um indíviduo que não percebesse nada do assunto, mas ouço-o com toda a educação e tento aprender para não me estender ao comprido tantas vezes. Da lista de vantagens já aqui demos notícia, pelo que só precisam de procurar no arquivo se estiverem mesmo interessados, mas há uma que acho pertinente ao ponto de voltar a escrever sobre ela. Assegura-nos o Tavares que a bolsa nos leva a viver de forma mais despreocupada e desafogada. How come?! Ora, se estás nos mercados porque te hás de preocupar em pagar uma tainada aos amigos de vez em quando ou gastar uma dinheirama numas excentricidades aqui e ali se podes perder ou ganhar muito mais do que isso numa reles jogada? O que te impede de pagar aquele casaco de polipele à Maria se tens o que ele custa preso numa variação de décimo de cêntimo do BCP? O que te impede se, ainda por cima, isso tornar o ambiente lá em casa mais propício a que se cumpram os regulamentos em matéria matrimonial? E o que te impede de ficar calado se o BCP arriar e abichares com um prejuízo no valor de vários casacos? Tudo a ganhar, portanto, e não há melhor jogo do que este para a harmonia do lar, desde que se cumpram as regras do mais elementar bom senso: engrandecer os pequenos acertos e calar nas grandes derrotas. Numa palavra: sensatez. Se assim for, assegura-nos o meu amigo Tavares, o jogo só tem vantagens, ainda que umas noites mal dormidas possam constituir um mal necessário. Não há bela, etc. Eu fico-me a pensar que pode haver aqui salvação para aqueles que ainda sofrem com a bolsa não ser mais do que um jogo. Ao jogarem ficam livres para encherem a casa de quinquilharia alegrando a economia, criando emprego e contribuindo para a redução do défice via IVA. O que é isso se não investir? É-o e já demonstramos que sim.
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