17.1.16

The big short

É possível negociar em bolsa se não se tiver sentido de humor? Ganha dinheiro nos mercados quem estiver nisto com o ar circunspecto de uma comunhão solene? Temo que não e estou convencido de que é essa falta de queda para a comédia um dos fatores que mais contribui para que muitos abandonem o barco, desiludidos com as promessas de riqueza fácil e sucesso sem esforço! É que quem se fia em facilitismos vê a vida a régua e esquadro e um mundo feito de certos e errados, bons e maus, numa permanente divisão entre as dores de cabeça do medo e as enxurradas de azia de ganância. Sem humor, portanto!

Ora é essa falta de humor que mais salta à vista em A queda de Wall Street (The big short, no original), novo filme de um realizador, Adam McKay, que tem currículo feito precisamente com algumas comédias comezinhas (veja-se, por exemplo, Filhos e enteados). Ainda que haja quem considere o cinismo dos personagens do filme apontamentos de humor refinado, no final o que acaba por ficar com o espectador é uma sensação de profunda apreensão, fruto da atmosfera de catástrofe eminente que impregna todo o filme. É essa angústia de que há algo de terrível para acontecer, de que só têm consciência uns poucos iluminados que fazem apostas contra o mercado imobiliário (o big short do título), que contagia quem vê e dá um toque de profundo moralismo a toda a história que nos é contada (reforçado por uma componente didática que é uma preocupação constante do realizador - de histórias lamechas, de violências atrozes e de cenas de horror percebemos todos, mas quando toca a dinheiro e negociatas precisamos que os atores se virem para o ecrã e nos expliquem muito bem como as coisas funcionam para que o filme não se torne maçudo! Cristo, valei-nos!). 


Bem sintomática da indecisão dos argumentistas em relação à história que nos querem contar são a cenas finais em que nenhum dos vencedores acaba satisfeito, apesar de terem faturado milhões em apostas contra tudo e contra todos. Em vez disso, todos parecem alienígenas vindos diretamente do planeta da boa moral e dos bons costumes, traumatizados por terem enriquecido, enquanto o mundo mergulha numa crise de raras dimensões. Algum trader real fica triste nessas condições? É realista isso? Aliás, o filme está cheio de personagens ambivalentes e inverosímeis que fazem apostas no mercado completamente a contragosto apenas porque têm a certeza de que estão a ver algo que mais ninguém vê e não porque querem ganhar dinheiro. Todos são movidos pelo desejo de estarem certos na previsão de uma catástrofe e não por pretenderem lucrar. A personagem de Steve Carell transborda de azia não por não ter ganho suficiente, mas porque (e só no final do filme é que o percebemos) anda fodido da vida por ter oferecido dinheiro ao irmão que se suicidou (o que tem isso que ver com a queda do mercado imobiliário e com a restante narrativa, continua a ser um mistério para mim). 

No final, saímos da sala sem saber se acabamos de ver um documentário (ao estilo, por exemplo, do excelente Inside job) ou um drama biográfico ou que carago vimos e corremos o risco de mandar às urtigas toda esta treta de nos cansarmos sem fim para sacar uns tustos dos mercados: afinal de contas, se a concretização de acertarmos na muche e ganharmos pipas de cacau tem por consequência ficarmos como os gajos que aparecem neste Big short, então talvez seja melhor estarmos do lado dos perdedores e juntarmo-nos à manada (sempre somos dignos de pena!). Pela parte que me toca, prefiro achar que o filme é uma bodega sem fim e retrata individualidades que só existem fruto de contingências pessoais que nada têm que ver com o big picture que a história pretende retratar: Steve Carell está traumatizado com o suicídio do irmão, Christian Bale tem um olho de vidro, Brad Pitt levou no trombil nos mercados e não quer dizer a ninguém, etc. Para nós que andamos na arte, vale a pena se o formos ver com o fito de lucrarmos pedagogicamente; quem se está nas tintas para jogatanas com o dinheiro e crises financeiras fica melhor servido se for ver o Principezinho ou o filme do Snoopy.

Este filme está nomeado para os Óscares em quatro categorias: melhor filme, melhor ator secundário (Christian Bale), melhor realizador e melhor montagem. Há algum sentido nestas nomeações? Há, se pensarmos que os Óscares não têm nada a ver com cinema mas sim com vaidades e auto-elogios. Se isto é um melhor filme, então temos que deixar de ver cinema, se a realização é boa, então eu vou para realizador, da montagem nem é bom falar (está cheia de cortes que parecem ser de filme caseiro montado no movie maker), e o Christian Bale, que é um bom ator, faz um papel engraçado, mas é completamente inverosímil no tratamento de um gestor de fundos que investe contra o mercado de uma forma tão agressiva e contrária ao senso comum: com aquela idade e a manobrar tantos milhões, ainda não conseguiu ultrapassar o complexo de ter um olho de vidro! Give me a break!

Neste particular, temos a sorte de ter tido recentemente um caso exemplar no Lobo de Wall Street, realizado por Martin Scorsese, um filme que vai ficar na história dos filmes sobre mercados financeiros e na histórias das comédias, com uma realização que é um portento de competência e com um desempenho irrepreensível do Leonardo DiCaprio no papel de Jordan Belford, o estroina que contribuiu, à sua maneira, para a mesma crise que é retratada no filme que ora comentamos. Ora, o Lobo de Wall Street também foi nomeado para os Óscares, em 2014, mas os ignorantes daquela academia da passadeira vermelha escolheram o 12 anos escravo (WtF) para melhor filme, o Matthew McConaughey para melhor ator, só porque fez dieta e aparece tísico num filme de segunda categoria sobre charrados, e o Alfonso Cuarón por se ter visto livre da gravidade num filme que é um ótimo documentário para mostrar aos alunos de FQ do 7º ano!  Suckers!

Depois da ressaca do Small Short, sabe ainda melhor recordar:


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