24.2.17

O regresso ao essencial: "Stoner", de John Williams. (Primeira parte)

Que marca deixaremos nos outros quando já não estivermos cá?

Para o herói de John Williams, a resposta é desconcertante:

“William Stoner entrou na Universidade do Missouri em 1910, aos dezanove anos. (…) Os colegas de Stoner, que não lhe tinham uma estima por aí além quando era vivo, raramente falam dele agora; para os mais velhos, o nome é um lembrete do fim que os espera a todos e, para os mais jovens, é um mero som que não evoca qualquer noção do passado nem qualquer sentimento de identificação quer em termos pessoais, quer em termos de carreira”.

Assim enceta o romance. A pergunta que se impõe logo ao leitor exigente é: se o homem não fez nada de extraordinário (positiva ou negativamente), para quê dedicar-lhe um romance? A resposta para o leitor paciente é dada pela própria personagem no final da sua vida, “Estavas à espera de quê?”
Todo o mistério está então aí, ao alcance de todos.



E se o objetivo não fosse ser Feliz, mas apenas levar a vida como se nos vem, ou melhor, levar a vida o melhor que sabemos, sem heroísmos? E seria isto a felicidade, não esta ideia romântica de que a vida é lutar contra o destino, concretizar os sonhos mais loucos, ser rico ou ter sucesso.

Stoner conta a história de um homem, William Stoner, filho de agricultores, que ingressa na Universidade, a pedido do pai, com a esperança de enfrentar mais eficazmente uma terra árida, munindo-se de um curso de agricultura. O jovem, contudo, tem uma revelação:

“Depois, folheava o livro, lendo um parágrafo aqui e ali, os seus dedos hirtos virando as páginas cuidadosamente, com medo de, desajeitados, rasgarem e destruírem aquilo que tinham descoberto com tanto esforço.”. 

Descobre, pois, a literatura inglesa e descobre ainda que tem vocação para ser professor.

 “- Ainda não percebeu, Sr. Stoner? – perguntou Sloane. – Ainda não descobriu essa verdade sobre si próprio, sobre a sua natureza? O senhor vai ser professor.”
- Como é que sabe? Como é que pode ter a certeza?
- É amor, Sr. Stoner – disse Sloane alegremente. – O senhor está enamorado. É tão simples quanto isso.”

E pronto. É tão simples quanto isso. Tudo parece obedecer a uma ordem natural. No entanto, toda a vida de Stoner é uma luta para estar à altura das expetativas. Luta para transmitir aos seus alunos o amor pela literatura. Luta para merecer o lugar que ocupa, mas sem nunca ambicionar o reconhecimento ou o poder. É um homem íntegro, estoico e dedicado aos outros, fruto de uma educação em que o trabalho é o dever de um homem. O dever do trabalho bem feito e cumprido.

Apaixona-se por uma jovem de família respeitável e as promessas de um amor genuíno e absoluto transformam-se inexoravelmente em amargura; sem conhecer verdadeiramente a futura esposa, o seu amor está condenado ao fracasso porque a educação ministrada às jovens de boa família não contempla no manual de instruções “Casar para ser feliz”. Será um casamento marcado pelo ressentimento e pela inimizade, uns sentimentos amargos que perturbarão a filha única do casal. Como pano de fundo da obra, a Primeira Guerra Mundial, a Depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. É pouco mais do que isso.

Como explicar, então, esta epifania ao ler esta obra? Uma revelação face à história de um homem cuja existência parece somente o alinhamento de dias, semanas e anos?


Porque William Stoner encontrou, contra todas as expetativas, a receita para a felicidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário