Ei-los, que
rangem dentes, um olho na supracitada, outro no vizinho, em estrabismo
divergente; o gesto iracundo, fingindo "cara de poker", o peito
arfante, quero aquela-vi primeiro-mereço
mais; a cotovelada cirúrgica, desculpe,
o seu guarda-chuva escorregou do balcão, a oportunidade, mal surgida, logo
feita sua, em ambas as mãos tomada! Ah, é
desta!...
Se um cineasta
lúbrico (ser famoso nem é requisito) - em gulosos fotogramas não autorizados e
detalhistas - registasse as mil caras que cada um faz desde a antevisão do /aaaaaaaah/ (som angelical que se usa no
cinema para dizer que alguém teve uma epifania e se cala abruptamente, sem “fade
out”, mal a glória se aproxima), passando pelo gesto da aquisição, dedo em
riste - quero aquela! -, espraiando-se a câmara no momento do
transporte do tesouro, sudorese em clímax, mãos trémulas, as inevitáveis
escolhas: a) de um cantinho para raspar sem público ou sequer testemunha; b) da
moedinha raspadora que vai trazer a sorte; c) da escolha do sentido do próprio
acto, com pontos cardeais de um Quinto Império templário como orientação
messiânica, e, claro, as diferentes fases da "raspagem/dela" - aqui,
entrava a fase "slow motion", em todas as diferentes
"nuances" da expressividade expectante e pré-orgástica dos sujeitos
observados - e acabando na cara número vinte e cinco (ou qualquer outra do
catálogo), entre a fúria odienta contra a sorte, a SCML e todos os santinhos
pré-invocados, o semblante titânico-furioso, espumante, relinchoso, ganinte,
acossado por demónios, o ponto de rebuçado paroxístico de quem gastou o último
euro da carteira...
Aí sim,
poderia afirmar-se - com certezas de base canónica e científica, com provas
dadas e com controlo da experiência laboratorial - que a fleuma judaico-cristã
termina na entrevisão do "feliz contemplado" com as trombetas
cuspidas pela máquina registadora.
Pior que o
enxovalho social, o urticante sofrimento que só um tinhoso conhece ou até que
os próprios impostos, só a dor da junção óssea do braço com o antebraço
proporciona o mais excruciante dos ordálios.
Por vezes, até
o simples lançamento dos despojos num ecoponto está fora de cogitação: apetece
a imolação pelo fogo da dita cuja, atirá-la para o mais vil dos lixos,
esmagá-la sob o pé mais forte com requintes de malvadez, como se fora insecto ou
rastejante... E jurar para nunca, nunca mais, o acto submisso de se entregar à
humilhação do "Oooh que pena, esta
não tem nada".
Até que em dia
avulso, novamente, se lhe implante entre as meninges a peregrina ideia, a
princípio tímida e fosca, mas já insidiosa como célula doente, excrescência
plantar coriácea ou pára-brisas com fissura maior-que-uma-moeda-de-dois-euros
que se ramifica como árvore na direcção solar após longo inverno: "só uma, p'ra matar o vício...".
As trombetas
da caixa registadora preparam-se já e, novamente, soarão. É, contudo, tido como
factual que a lei das probabilidades aponta para o supracitado (o filho da mãe
do) "gajo do guarda-chuva"...
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