15.2.17

Um homem chamado Ove

Já aqui dissemos algures que, para nós, os Óscares enquanto referencial de qualidade cinematográfica acabaram em 1994 quando vimos o tolo do Forrest Gump levar a melhor sobre Pulp Fiction. Foi simplesmente demasiado para o que o nosso estômago sensível podia aguentar e desde então, salvo em raríssimas exceções, passamos a enquadrar a cerimónia da carpete vermelha na tabela dos eventos giros! 

Mas houve uma categoria de prémios que conservou intacto um módico de credibilidade que se mantém até hoje e que nos faz ficar atentos quando os nomeados são anunciados. Falamos do prémio para melhor filme estrangeiro, cujo palmarés tem sido normalmente garante de tão bom cinema como o é a seleção de Cannes, de Berlim ou de Veneza.

Este ano, dos filmes nomeados, já conseguimos ver três, todos europeus, e nenhum deles desiludiu.

Começamos pelo sueco En man some heter Ove, filme baseado no livro homónimo de Fredik Backman, realizado por um tal de Hannes Holm que, desta forma, se apresenta no palco internacional depois de já ter assinado duas ou três películas de caráter doméstico e uns quantos episódios de séries de televisão.

E o que é que este homem chamado Ove tem de especial? Pois, absolutamente nada. Trata-se de um recém viúvo, prestes a entrar na terceira idade (eu dava-lhe mais anos, mas ainda não tem 60), que, com uma certa impetuosidade, acaba de se despedir da empresa onde trabalhou para cima de quatro décadas, detentor de um feitio um bocado chato e com um stock de manias maçadoras, e que, no momento em que o filme começa, acaba de se convencer de que estarão reunidas as condições para deixar este mundo e se lança no projeto de apressar a viagem rumo à terra das mil delícias! Damos de barato que original não é!


Logo no início ainda há para lá uma pega no condomínio entre o irascível Ove e uma família de imigrantes iranianos e, durante alguns minutos, quem está a ver o filme vive momentos de pânico a pensar que a coisa vai descambar para um mais do que repisado tratar de conflitos entre diferentes maneiras de encarar o mundo, com uma abordagem cheia de moral à temática da descriminação e do direito a blá, blá, blá... Mas não, tudo não passa de um susto, e o resto da história é uma agradável hora e meia de vida bem passada, entre a comédia e o drama: de cada vez que Ove tenta matar-se, e está vai e não vai para embarcar, recorda um pedaço marcante da sua vida passada - está bem imaginado e não são poucos os que defendem que a tese tem base científica - e nós, que vemos de fora, acabamos por compreender como Ove acabou transformado naquilo que ele é! Pedagógico até mais não!

No filme paira permanentemente uma nostalgia tão grande que acabamos remetidos para um mundo quase infantil em que vemos a vida como o somatório de momentos ímpares em que se confrontam, numa singularidade do espaço-tempo, não só aquilo que é a nossa carga genética e o que já vivenciamos, mas também a promessa dos momentos que estarão para vir. No final, como escreveu o homem chamado Ove, não importa se as nossas cinzas são lançadas ao vento porque, uma vez aí chegados, voltaremos a fazer parte do todo insensível e difuso do universo. Ove não contemporiza e é inflexível porque aprendeu que não há outra maneira de viver!

No conjunto, o filme é bom, dá para rir e comove e, ainda que não seja uma obra prima, nota-se que os suecos têm um savoir faire que dispõe bem e é tão fiável e simples quanto o mobiliário ou os carros que criam!

Sem comentários:

Enviar um comentário