17.2.17

Toni Erdmann

O melhor de todos os nomeados a levar a peça para melhor filme estrangeiro e um dos melhores que vimos nos últimos tempos é Toni Erdmann da realizadora alemã Maren Ade, que tem no currículo o facto de ter produzido o excelente Tabu do nosso Miguel Gomes. Trata-se do filme que muito provavelmente levaria a Palma de Ouro em Cannes se não estivesse a concurso o Daniel Blake e entre um e outro mon coeur balance.




Toni Erdmann é um alter ego esgalhado a meio do filme por Winfried Conradi, um sexagenário divorciado, com um sentido de humor completamente avariado - a cena de abertura do filme dá logo boas pistas para o que se há de seguir - e que, de repente, se dá conta de que raramente fala com a filha (um desempenho excelente da atriz Sandra Huller no papel de Ines), uma dessas executivas da moda, deslocada no estrangeiro, onde vive sempre agarrada ao telemóvel e mergulhada num stresse quase em estado sólido, crente de que a vida depende por inteiro de desideratos que acredita piamente poder controlar. A páginas tantas o pai resolve fazer uma visita à filha, que está em Bucareste, mas a surpresa - como se tornou costume neste tipo de situação - acaba por não correr bem e ele leva uma corrida. Em vez de voltar para casa, assume-se como Toni Erdmann...

O filme é um misto de comédia - e tem cenas que dão mesmo vontade de rir - e de tragédia moderna e é, creio, essa panóplia de emoções que lhe dá grandeza. Maren Ade, nota-se em cada cena, percebe do que está a fazer e compreende perfeitamente quais são as necessidades do espetador, pondo um carinho e uma alegria notáveis em cada plano que vai captando. O filme é tão bom que contém um bom punhado de cenas que se fossem fabricadas em Hollywood entravam diretamente na galeria dos ícones da 7ª arte - ouvi dizer que os americanos vão fazer uma versão deles porque não suportam ver ideias tão bem esgalhadas sem serem faladas em inglês (escusado será dizer que vão produzir uma estopada). A título ilustrativo daquilo que quero dizer com cenas icónicas veja-se, por exemplo, aquela em que Ines canta the greatest love of all:


ou, ainda num patamar superior, a hilariante festa que ela organiza para conquistar pontuação na empresa e acaba transformada num evento que coloca os índices de confrangedoria em máximos históricos. Aliás, não são raras as cenas em que somos quase somos obrigados a enfiar um barrete pela cabeça abaixo, tal é a carga emocional das situações.

Evidentemente, há em Toni Erdmann uma metáfora dos tempos que correm, que nos apresentada de uma forma fresca e inovadora. Estes são os tempos da globalização e do profissional global hipermotivado e trabalhador incansável, em que é baril ser cidadão do mundo, nem que para isso nos sintamos parte do lugar nenhum e tenhamos que abandonar por completo aqueles que nos são mais queridos. O homem viajante dos séculos passados, que ia pelo mundo pelo prazer da descoberta e do conhecimento, mas que sabia sempre em que lugar estava o que verdadeiramente valia a pena nesta vida, transformou-se na geração das formiguinhas globais que trabalham em nome não se sabe muito bem de quê, mas que foram convencidas de que não existe essa coisa de relações familiares ou amor puro e desinteressado por aqueles que nos são mais próximos. Foram convencidas disso e, apesar de todas as evidências, já não há quem as demova dessa fé. A mostrar isso este filme é particularmente bom.

Eu, no vosso lugar, deixava-me de la la las e ia ver este Toni Erdmann!

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