20.2.17

Circularidades bibliófilas

            

                Em ditosa passagem pela sempre misteriosa, fresca e cativante Paredes de Coura, em assuntos que envolvem ossadas de antepassados, encontra-se, assim, sem mais, em singelo poiso para refrigério (vulgo, pastelaria) de Ponte de Lima, obras literárias à disposição dos comensais. Que faz ali, sereno, como se por acaso, Os Conjurados, de Jorge Luis Borges?...



             Alguém terá, alguma vez, folheado os seus poemas? Será que, por momentos, por breves instantes, alguns olhos pátrios - mais cultos, nada ignorantes ou, por hipótese académica, o completo oposto disto mesmo e, em inteira inversão da ideia primeva, olhos ignaros, bucólicos, simples - terão seguido o fio de Ariadne do seu labiríntico pensamento? E terão esses olhos usado a enciclopédia a que hoje todos os cidadãos, em querendo, acedem? Terão buscado saber dos nomes, dos lugares, das datas? E, tendo-o feito, terá essa "pedrada no charco" incendiado a fúria apaixonada de saber mais, indagar além do óbvio, ir até ao fundo das histórias ali ditas? 
                  Quem sabe onde irá ter quando se põe em viagem? A que caminhos desembocará, que dúvidas verá respondidas, que novos mistérios lhe tecerão nova teia na mente? Tal como Bilbo ou, mais tarde, Frodo Baggins, na trilogia de Tolkien, quem sabe que desencantos urdirá, ou que fascínios o trarão preso só pela leitura de um poema, pelo trilhar de um novo percurso ou pela lombada de um novo livro?...
                   Ali, entre montanhas, com o zumbir de abelhas como melopeia, perguntava-me, justamente, sobre o mistério das coisas, a circularidade das chamadas coincidências, aquilo que ainda não tínhamos podido calcular, mais forte fosse a nossa intuição, sobre o que de nós viria a ser no presente...
                Em comparação com o esmagador mistério das nossas vidas, a rotina, o comezinho e o banal cronometrados pelo relógio são de uma infra densidade abaixo da mais reles poeira. Só o que não controlamos, afinal, importa. Só aquilo para que fomos predestinados faz sentido. Só o que não pode ser petrificado, verbalizado ou concretizado como ser corpóreo é, em suma, digno de figurar entre os dias que recordaremos. O resto, meras passagens pelo tempo, lugares guardados em lampejos, momentos supostamente memoráveis, significa tão infinitamente pouco no cômputo geral da existência! 
                   Quando se desliga a racionalização de tudo, surge, neófita, limpa e ágil, a sensação de se ter chegado a casa. Creio que só aí/então, nesse lugar que não registamos em facebokário algum, somos, ou fomos, em essência, nós. Almas inquietas. Borges não precisou de olhos para o ver. A maioria de nós não passa de um dos cegos de Brueghel, o Velho: vive em círculos, amesquinhado na repetição, rato preso na roda, em ode à corrida dos ratos...

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