6.9.16

CERN (parte 3)

Todos sabemos que há uma diferença trágica entre aulas de professores conhecedores do mundo e habituados a fazer mais do que ensinar e estopadas ministradas por azeiteiros que mais não são do que caixas de velocidades entre a fonte (o manual escolar) e o recetor (nós). Infelizmente, no decorrer da nossa vida escolar, é norma o número de secas monumentais ser tão avassalador que os momentos de epifania que lá vamos experimentando acabam remetidos para o mais profundo subconsciente! Foi com este medo, acumulado em anos e anos de conversa da treta, que me apresentei às palestras que inevitavelmente sempre preenchem estes cursos de formação. Mas cedo descobri que os meus receios eram infundados: toda a gente que foi chamada para nos instruir nos segredos da física das partículas e da relatividade era a fina flor do professorado, e não houve um incompetente que fosse a passar pelo palanque. Agora, também vos digo e desengano desde já: se não tendes dois dedos de testa e a genética não vos favoreceu em termos mentais, então esta história de ir ao CERN não é para vós e pode mesmo dar-vos um piripaque que vos deixa praí numa cadeira de rodas. Optai antes pela radiação UV na praia porque a pele sempre é um órgão menos importante que o cérebro! 

Um bónus de algumas palestras foi terem decorrido no auditório que em 2012 esteve apinhado de cérebros bons para ouvir o anúncio da descoberta do bosão de Higgs, sendo que o Peter Higgs em pessoa (que, recorde-se, levou o Prémio Nobel) teve a honra de se sentar na cadeira onde eu me sentei à posteriori. 



Se quiserem uma amostra da qualidade das intervenções e/ou procuram respostas para algumas das questões mais excitantes relacionadas com o CERN e o que lá se estuda podem consultar, por exemplo, o Quora do Professor André David, um dos oradores presentes.

Tudo o que se passa no CERN parte da equivalência entre massa (matéria) e energia enunciada por Einstein em 1905. Basicamente, a energia de protões que são acelerados a enormes velocidades é convertida em massa, isto é, em novas partículas, quando eles chocam uns contra os outros. E a magia que ali se opera consiste em detetar essas novas partículas, identificá-las e descortinar as suas propriedades, de modo a perseguir dois objetivos: avaliar a qualidade das previsões teóricas e identificar situações imprevistas para, com isso, fazer avançar a Física. Dito assim, talvez não pareça grande espingarda, mas no LHC já se conseguem reproduzir em nanoescala energias tão elevadas como as que existiram nanosegundos depois do Big Bang, pelo que, na prática, estamos a ver como era o Universo nessa altura e consequentemente como são as partículas que no âmago constituem a matéria. Acreditem: é muito à frente! Para levar a cabo semelhante façanha, eis do que vamos necessitar:













O acelerador funciona em contínuo e as colisões estão sempre a ocorrer em quatro pontos onde se localizam os detetores que são parte integrante das experiências principais. Estes encarregam-se de registar as trajetórias dos destroços, utilizando para o efeito câmaras de 100 megapixeis que tiram 40 milhões de fotografias por segundo. Na fração de segundo seguinte o sistema da imagem abaixo elimina-as todas exceto as cerca de mil que contêm traços com potencial para trazer novidades:



Filtros suplementares deixam ficar apenas os registos com verdadeiro interesse científico, que então seguem para armazenamento no centro informático do CERN:






Tudo isto é controlado por uma legião de criaturas munidas dos mais sofisticados equipamentos que a mente humana consegue gizar.



Os dados recolhidos ficam armazenados à espera de um investigador que olhe para eles com olhos de quem quer ganhar o Nobel. 

Para além das experiências fundamentais há uma panóplia de investigações acessórias que versam sobre os mais diversos assuntos. Na fábrica de antimatéria já se consegue manter um átomo de anti-hidrogénio preso em vácuo durante 1000 segundos. O especialista brasileiro Cláudio Lenz César dizia-nos que estão perto de obter o espectro electromagnético do dito: se bater certo com a teoria porreiro, mas se se provar que a teoria está errada, então é Prémio Nobel! Típica Ciência! Ali ao lado fica o departamento de Física Médica onde depois do desenvolvimento da TEP se aperfeiçoa a deteção de tumores menores do que 2 mm, muito antes de o cancro se manifestar! Um pouco desviado temos o centro de controlo da experiência AMS, que recolhe dados num detetor que se encontra na Estação Espacial Internacional, e procura matéria escura e antimatéria extraterrestre. 




A dada altura, topei com um ex-aluno, responsável pela melhoria permanente de um conjunto de componentes eletrónicos da experiência CMS. Ao fim de um ano ao serviço, confessou-se meio desiludido, achava que o CERN seria mais perfeito, mais certeza e menos improviso. Para nós que lá passamos uns dias, por outro lado, a experiência não podia ter sido mais revigorante e diabos me carreguem se não sinto os neurónios mais desentupidos e a postos para aquilo que sabem fazer melhor! 

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