6.11.16

Bom senso americano (parte 1)

Manda o bom senso que estejamos atentos aos números da economia se queremos tomar decisões relativas aos nossos investimentos. Com frequência semanal são publicadas estatísticas, a que todos temos acesso imediato, relativas às encomendas da indústria, às folhas de pagamento de salários, aos níveis de confiança dos diferentes agentes económicos, ao crescimento do PIB e dados sobre o andamento do emprego. Manda o bom senso, mas, como muitas vezes sucede, não é isso que aconselha a prática quotidiana, pois as estatísticas, para além de obviamente poderem ser marteladas, dizem sempre respeito ao passado, ao passo que quando tomamos uma decisão relativamente aos nossos investimentos, estamos a projetar o futuro!

Também é de bom senso que, se queremos tomar decisões relativas a investimentos no mercado financeiro de um dado país, estejamos atentos aos sucessos da economia desse país. No caso que nos diz respeito, para comprar/vender no PSI teríamos que olhar com muita atenção para o desempenho da geringonça, ou para o que se vai passar com a CGD, ou para o comportamento dos juros da DP no mercado secundário, ou ainda para os resultados trimestrais que vão sendo publicados pelas empresas, etc. Contudo, mais uma vez, a prática quotidiana vai-nos dizendo que as notícias que vão saindo acabam por fazer sentido apenas quando olhamos para trás e justificam movimentos que pareciam até nem ter lógica quando ocorreram!

Também manda o bom senso que se olhe para cada país e mercado como um caso concreto, com as suas próprias características e condicionalismos, que devem ser analisados à luz do desempenho da economia e das decisões dos seus governantes, da confiança que se cria nos investidores, e das empresas que possuiu e dos mercados que conquista. Contudo, também aqui a prática diária nos ensina que o bom senso não tem lugar nos mercados e que, no fim de tudo, raríssimo será o investimento que faça sentido do lado longo, mesmo que tudo pareça estar bem,... se os mercados americanos estiverem a cair!

Sempre os americanos!

Bem vistas as coisas, se quisermos efetivamente ser sensatos, devemos olhar antes de tudo o mais para a América: se os EUA estiverem a subir, os outros podem subir também, ainda que não seja certo que o façam; mas se os americanos descerem, não há bom senso que resista à evidência de que as subidas serão exceções! A Alemanha pode ser o motor da Europa, aos ingleses pode-lhes dar para brexitar, os chineses bem podem vir a ser a segunda maior economia mundial e o judoca Putin pode torrar rios de rublos preciosos a terraplanar a Síria à base de balázios! No final, quando a América desce, ficamos todos mais pobres e nem santo nos vale. O capitalismo da América é o capitalismo puro, aquele que assenta no mérito e na resiliência de cada ser humano, e na convicção de que a eliminação da pobreza não está na redistribuição, mas sim na capacidade de os ricos enriquecerem cada vez mais, criando em última instância condições de prosperidades universal! Esse é o capitalismo que, a nós europeus, nos soa demasiado associal e até perverso, mas que inegavelmente cria as condições para o surgimento das mais prósperas empresas do mundo e para a sociedade mais avançada em termos tecnológicos!

A economia capitalista americana não tem ilusões acerca da natureza profundamente cíclica do bem estar económico: não é possível crescer de forma contínua, até porque a própria natureza humana se sente crescentemente desconfortável com um sucesso prolongado, criando condições de stress para que ocorram correções! Essas correções, longe de serem defeitos do sistema, são sim oportunidades para que a seleção natural funcione e outros possam ter a oportunidade de se afirmarem!

Historicamente, pelo menos nos últimos 25 anos, temos assistido a ciclos económicos cujo início tem sido marcado pelas eleições presidenciais. O gráfico seguinte é o semanal do S&P500 desde a eleição de Bill Clinton para o primeiro mandato, em 1991.


Durante os oito anos em que Bill Clinton esteve na Casa Branca, o índice mais representativo dos mercados mundiais cresceu a uma taxa anualizada de 15,3% (o PIB americano cresceu mais de 4% numa base anualizada). A vitória de George W. Bush, a 7 novembro de 2000, na célebre eleição em que perdeu em número de votos face a Al Gore, já trazia o lastro de uma correção no índice de 12% em menos de 2 meses (começara precisamente a 11 de setembro, um ano antes dos atentados de Nova Iorque) e continuaria depois até à explosão da bolha das dotcom, tradicionalmente marcada no mês de março de 2001. No decorrer dos dois mandatos de Bush filho, marcados pelas decisões polémicas que todos recordamos, o índice ainda recuperaria do estoiro e entre 2003 e meados de 2007 teve uma subida bastante interessante. Contudo, a crise do subprime a partir de agosto de 2007, e a falência do Lehman Brothers já em outubro de 2008 deitaram tudo a perder e o balanço final da aventura foi uma queda anualizada de 4%! Nos dois meses antes da eleição de Barack Obama, o mercado estabilizou e ensaiou uma subida de 9%, a tal incerteza/expetativa gerada pelas eleições. Todavia, quando Obama assumiu a sala oval, em janeiro de 2009, herdou uma situação económica caótica, com o mundo à beira do caos financeiro. Até março desse ano, o S&P500 ainda cairia 20%, mas depois foi sempre a subir, puxado pelas grandes empresas do novo capitalismo americano de base fortemente tecnológica, acabando por marcar um saldo anualizado positivo de 12%.

Música americana:


A segunda parte deste texto será publicada amanhã de manhã!

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