5.9.18

America first

A forma como os EUA se impuseram como principal potência a partir dos finais da Segunda Guerra Mundial foi obra essencialmente dos políticos. 

É verdade que a América foi, sob todos os pontos de vista, quem mais beneficiou com a guerra e também é óbvio que em mais nenhum lado foi o ser humano tão incentivado para perseguir sonhos de grandeza e riqueza, circunstância que não só criou uma dinâmica social muito forte, mas também atraiu uma grande quantidade de imigrantes talentosos e grandes contingentes de mão de obra barata. 


Contudo, a hegemonia da América no mundo fez-se, essencialmente, de opções políticas. A ideia do expansionismo (quase colonialismo) americano, de açambarcamento de recursos e aquela postura de polícia mundial não seriam possíveis se os americanos não estivessem dispostos a aceitar alguma desigualdade em termos de comércio internacional relativamente a parceiros selecionados, como o Canadá, a UE ou até a China. Foi entendimento de todos os presidentes americanos de que me lembro que a força da América no mundo exigia que os mais diretos competidores económicos estivessem debaixo da pata de regras de comércio internacionais que, deliberadamente, eram desfavoráveis aos EUA. Só dessa forma, achavam eles, teriam superioridade (não só moral, mas essencialmente financeira) para imporem a sua vontade em áreas da política internacional e assumirem-se como líderes do mundo livre. Os EUA ratificaram, portanto, tratados internacionais que, do ponto de vista económico, lhes eram desfavoráveis (só um exemplo: não sei se já se interrogaram por que motivo há muitos mais automóveis alemães na América do que americanos na Europa?) não só porque tinham músculo produtivo e dinâmica económica para tal, mas também porque isso lhes permitia manter sob controlo os seus mais diretos competidores, ao mesmo tempo que agiam como se o mundo fosse deles.

Neste verão, finalmente, percebemos o que significa o famoso slogan de campanha do presidente Trump. Para um presidente que não é político, mas sim, essencialmente, um comerciante, essa política de manter os outros sob controlo dando-lhes privilégios comerciais não faz sentido. Do ponto de vista de Trump, esse investimento não é nem de longe tão rentável quanto o de abdicar dessa suposta superioridade moral e impor desde já um comércio sem privilégios. Trump não quer barreiras comerciais, mas sim um comércio livre onde sabe que os americanos, com meios de produção que mais ninguém tem, acabarão sempre por sair vencedores e está-se nas tintas para superioridades morais ou para pagar por manter debaixo da pata quando acha que o pode fazer de graça. Além disso, não ignora (como qualquer bom comerciante) que manter privilégios aos concorrentes nas trocas comerciais comporta um risco considerável de aumentar essa mesma concorrência. Trump pode ser um escroque aos olhos do mundo e tem, por culpa própria, muito má imprensa, mas ficou claro este verão que não é um político ziguezagueante ou que não sabe o que faz como muitas vezes nos querem fazer crer.

Evidentemente, as decisões que tomou tornaram livres muitos dos que até aqui temiam as consequências de uma zanga com os americanos. Já ninguém temerá que os seus privilégios comerciais com a nação mais consumidora do mundo sejam postos em causa porque esses privilégios estão em vias de extinção. Nesse sentido, Donald Trump está a libertar o mundo e muitos dos seus tradicionais aliados poderão doravante raciocinar de forma mais equilibrada e sem o peso da bota do tio Sam. Os EUA tornaram-se uma nação como as outras e há uma certa nostalgia em muitos setores da política americana que temem essa perda de preponderância num tempo em que, do ponto de vista militar (verga vontades de último recurso) a Rússia e a China, entre outros, fizeram progressos enormes e têm forças que não autorizam confrontações.

Há, pois, uma revolução em curso na forma como as grandes potências mundiais se posicionam umas face às outras. De momento, parece evidente que a América está a ganhar. Ontem saiu o ISM que reporta as encomendas às fábricas americanas e o valor foi o mais alto dos últimos 5 anos, os índices bolsistas marcam máximos históricos e as economias emergentes sofrem horrores. A Europa, presa nas suas famosas e ancestrais divisões e a braços com a calamidade do brexit, corre o risco de seguir o caminho dos emergentes (submergentes) e, a prazo, passar à irrelevância e do meu ponto de vista não há neste momento sinal mais preocupante de que as coisas se podem agravar do que a grande sucessão de lower lows nos principais índices europeus:


Evidentemente, não sabemos o que vai acontecer no futuro, nem sequer no curto prazo, mas se não queremos ser apanhados desprevenidos nem ficar agarrados a lamentações inglórias é bom que tenhamos a força de vontade suficiente para tentar entender o que está a acontecer. Do nosso ponto de vista, do ponto de vista europeu, há um risco de perda no imediato, mas quem me dera que essa perda fosse compensada pelo ganho de liberdade que trouxesse de volta à Europa a capacidade de inovar e de criar que se foi perdendo e levou à destruição de tantas marcas líderes europeias. As perspetivas não são boas, mas nós temos a nosso favor o prestígio de séculos à frente da civilização.

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