8.11.14

Interstellar

De formação específica sou um pouco astrónomo e foi daí que me veio o grosso da humildade e da racionalidade que só é possível ter-se depois de perdermos o gás dos vinte anos. Duas "dades" sem as quais, é bom que se diga, na bolsa nada feito. Nas minhas aulas sempre digo aos alunos que há mais estrelas no céu que grãos de areia em todos os desertos da terra. Fazemos conta ao número de grãos dividindo a soma da área dos desertos vezes uma profundidade razoável pelo volume médio de uma pedrinha, quatro terços de pi erre ao cubo. O número de estrelas não se conta, mas obtém-se dividindo a massa de uma galáxia, que se consegue medindo o seu tamanho e a velocidade de rotação, pela massa de uma estrela média que se tira da lei da gravitação universal. Tão simples que se faz com chavalada de quinze anos. E chegamos a números que deixam a turma de boca aberta. É um regalo!


No filme Interstellar, do cineasta Christopher Nolan, que estreou esta semana nos cinemas, a Terra deu para o torto e é preciso debandar para outras paragens. Eis quando surge, ali para as bandas de Saturno, um buraco de verme (no filme explica-se muito bem o que é e no fim ficamos a saber quem lá o pôs), que desagua junto de doze planetas que orbitam um baita buraco negro de uma galáxia distante. Para lá é o caminho para a população terrestre que sobra do cataclismo, mas antes há que enviar exploradores para decifrarem qual dos 12 é o planeta correto para nos implantarmos. Na confusão, os artistas põem-se a discutir se é melhor salvar o povo que já vive ou se é de optar pela solução bem mais económica de levar ovos fecundados e embalados para que nasçam pessoas novas quando o novo planeta estiver operacional. Pelo meio, a teoria da relatividade é chamada às lides e ajuda a enfeitar o ramalhete com uns desafios colocados pela distorção temporal que sempre dão para excitar a mente e aliviar de um certo torpor que se pode instalar (3 horas de cinema!). A história é comezinha mas como não houve poupança nos efeitos especiais, o resultado é um espetáculo cinematográfico que enche o olho. No conjunto, acaba por valer bem a pena, quanto mais não seja por nos espicaçar a mente para refletirmos sobre as nossas origens e o nosso papel no meio desta imensidão.


Essa de imaginar os humanos a terem que abalar porque o planeta se tornou inabitável ou vem um asteróide a caminho é velha como a sé de Braga, mas padece de uma inocência que só pode mesmo ter brotado das mentes hollywoodescas. Se a Terra deixasse de servir, não estou a ver que nos puséssemos de acordo sobre a forma de resolver o problema, e era uma sorte se antes não embarcássemos numa guerra mundial que apressasse o  grand finale. E nem sequer estou a levar em linha de conta com o facto de a nossa tecnologia estar tão pouco acima da da época das cavernas que nem hipóteses tínhamos de fugir para a Lua. 


Se a ideia de que exorbitância de lugares no cosmos serve para nos abrigarmos num cantinho quando o fim do mundo se aproximar não passa no crivo de uma análise mais atenta, que outro motivo haverá para tão estrambólica cópia de sítios para viver? O meu palpite pode ser resumido na negação de uma frase famosa: viver não mata. Haverá pontos do espaço-tempo em que a vida evoluirá até que surja uma espécie imortal e inteligente, que crescerá exponencialmente e colonizará todo o espaço disponível no universo. É por causa disso que há moles de estrelas: para haver espaço suficiente para toda essa gente sortuda e magnífica. E haverá hipótese de essa espécie vir a ser a humana, partindo do princípio de que daqui por algum tempo encontremos a cura para a morte e desenvolvamos mais tecnologia que não apenas gadgets? Nisso nada mando, mas pelo andar da carruagem temo que vá ser mais fácil vir de lá um asteróide para tentar de novo!

 

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