18.12.14

Os clássicos russos

Agora verificamos que aos temas de domingo passado havia que acrescentar um outro, vindo da Rússia, que só se materializou verdadeiramente na segunda-feira. Foi erro de previsão nosso, mas não teve importância de maior a não ser no facto de nos atrasar o ressalto em um dia. Na terça-feira lá fomos para cima, porque se esgotaram de momento as novidades negativas. É evidente que:
  • a queda do petróleo em voo picado continua a ser uma preocupação no campo geopolítico e uma incógnita do ponto de vista da economia global, mas deixou da haver o susto do impacto inicial;
  • a perspetiva de eleições legislativas antecipadas na Grécia, com possível vitória do Syriza, continua em cima da mesa, mas já se percebeu que antes do dia 29, data da 3ª ronda das presidenciais, nem vale a pena preocuparmo-nos com esse assunto;
  • um incumprimento russo vai ter consequências sérias, mas de nada nos vale desatar a vender desalmadamente quando essa hipótese até pode levar o BCE a ser mais agressivo e quiçá contar com a benção do Bundersbank.
Deixo-vos uma cantiga para que possam digerir melhor o que por aí vem (faz parte da banda sonora deste texto):


Não nos vamos pôr para aqui a dissertar sobre as dores de cabeça do Vladimir, mas a cena russa recordou-nos, por vias travessas, do que é verdadeiramente importante para que possamos negociar em bolsa com classe e sem que estejamos sempre na fio da navalha e prontos a desistir. O ingrediente mais importante é, evidentemente, confiança. Confiança em nós próprios, nas nossas capacidades de avaliação e no nosso conhecimento do mundo:
  • A confiança em nós próprios vem-nos da auto-estima que deve ser cultivada como se faz numa relação amorosa, com pequenos mimos e muito jogo de cintura;
  • A confiança nas nossas capacidades de avaliação provém da rapidez com que somos capazes de assumir erros sem complacências nem estados de alma;
  • A confiança no nosso conhecimento do mundo só pode provir de duas fontes: de viajar e de ler. Só há estas duas e não acreditem em quem vos disser que há outras hipóteses para conhecer o mundo!
Sobre viajar nada vos diremos porque trata-se essencialmente de um problema de alocação de recursos em que não metemos bedelho, mas sobre leitura já nos permitimos opinar.

Anda sempre tudo à procura de livros sobre Bolsa e os escaparates vão estando fornecidos de oferta capaz de pôr o mais inepto a pensar em tornar-se num ás dos mercados enquanto lê um livro na retrete. Não vão na conversa! Os livros sobre Bolsa são uma bodega das antigas e não passam de manuais de auto-ajuda feitos para os autores sacarem uns cobres que entregarão nos mercados a quem não lê os livros deles. É uma pescadinha de rabo na boca e se entrarem na dança acabam por ficar com cérebro feito numa papa completamente inútil para negociar! Bem entendido, livros sobre Bolsa é coisa que não existe, da mesma forma que ninguém vai ler livros sobre futebol para aprender a jogar à bola.

OST:


Se são bons a negociar em bolsa vão gostar de saber que poderão ser muito melhores se lerem os clássicos russos (se são maus, já sabem o que hão de pedir ao menino Jesus). 

A alma russa é feita de uma inteligência arguta dissolvida num fornecimento ininterrupto de vodka e às vezes metanol. O russo de que nos fala Tolstói ou Dostoiévski reconhece a complexidade da mente humana e estuda-a em detalhe até ser capaz de lhe extrair a essência para ser analisada com a ajuda de um espectrofotómetro. Evidentemente, nada consegue, porque a mente é tão complexa que nem deus atina em a descodificar. Na maior parte das vezes, o pobre diabo suicida-se ou entrega-se à polícia para que na cadeia se possa acalmar (veja-se o que acontece com o Raskólnikov do Crime e castigo). Desses perigos apercebemo-nos nós, os portugueses, há muito tempo atrás, e por esse motivo mandamos a racionalidade às urtigas e tornamo-nos puramente emocionais. Preferimos orar a ler ou viajar. Se fizemos bem, é coisa que ainda se está para descobrir, mas é já certo que há muito a aprender com o processo russo de desmantelar a mente para melhor a entender! E é aqui que, a título de exemplo, o Guerra e Paz ou Os irmãos Karamazov nos podem fornecer boas ferramentas para melhor manobrar nos mercados financeiros. 


A Bolsa como mind game é disso que se trata afinal e não há maneira de se lutar no mercado apenas com dados económicos e gráficos, a não ser, claro, que tenhamos nascido com os genes certos. Para os outros, a Bolsa esconde segredos que não é fácil desvendar se não formos leitores escrupulosos (orar pode surtir efeito se soubermos a quem endereçar a nossa súplica, mas costuma ser mais fácil acertar às cegas numa compra ou venda). Para além de se ser capaz de aceitar, como inevitáveis, perdas de dinheiro, a leitura dos clássicos russos (entre outros, bem entendido) é condição de partida para que comecemos a faturar nos mercados. Claro que muitos de vós argumentarão e com razão que nem sabem quem é Tchekhov e mesmo assim tiram 30% limpos ao ano dos mercados! Correto! O meu ponto é que com os clássicos lidos iam aos 100% ou aos duzentos e não tinham noites mal dormidas! Xeque-mate!

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