Ninguém minimamente conhecedor das regras de funcionamento do mundo
acredita que seja possível renegociar os termos acordados num empréstimo
por inércia de bom-senso, por peso na consciência do credor ou porque o
devedor se humilha até ao chão, fazendo profissão de fé no progresso
das negociações. Quando muito, dessas formas, acabaremos num ato de
caridade que mais não fará do que complicar a posição futura do devedor
perante o credor.
Se excluirmos a violência, o devedor tem ao seu dispor apenas uma ferramenta verdadeiramente válida se quiser forçar o credor a uma renegociação das condições de um empréstimo. A arma do devedor está na boca e custa apenas a canseira de pronunciar duas palavras: "não pago".
Na sua tremenda simplicidade o "não pago" encerra a potência de uma bomba nuclear e, tal como uma arma de destruição massiva, o seu poder está mais no efeito dissuasor do que na sua própria utilização. É que, uma vez largada, a bomba produz efeitos difíceis de antecipar e que só por milagre (ou graças a uma extrema fraqueza do agredido) não acabarão por atingir o agressor.
Idealmente, a utilização da bomba nuclear por parte do devedor deve ser uma hipótese, mas apenas na cabeça do credor, de maneira a que este se sinta forçado a escolher entre o mal menor de uma renegociação ou o desastre da perda total. A tarefa do devedor consiste, portanto, em tornar credível essa hipótese, fortalecendo a sua posição negocial à custa da incerteza do prestamista.
A credibilidade do "não pago" reside no rácio ganho/risco para o devedor que a sua utilização implica. O devedor que não paga fica com o dinheiro que, em condições normais, teria que entregar ao credor, podendo usar esses fundos para suprir as suas necessidades. Em contrapartida, ao não pagar, incorre em perda de credibilidade e dificilmente encontrará novos financiadores se as voltas da vida o obrigarem a voltar a socorrer-se de terceiros.
No mundo dos indivíduos, tirando considerações de caráter moral, o devedor e o credor encontram-se, pois, perante um problema com duas consequências opostas cuja soma lhes dirá se a bomba nuclear é plausível ou não.
No mundo dos estados, para além de um sem-número de variáveis que é necessário levar em linha de conta (participações cruzadas, necessidades de financiamento, recursos naturais do território, etc.), há duas complicações acrescidas com que é necessário contar:
- por um lado, apesar de poder reter os fundos que teria que entregar ao credor, o devedor pode facilmente achar-se numa situação em que deixa de conseguir satisfazer as suas necessidades. É que o dinheiro não mata fome a não ser que possa ser trocado por mercadoria e dificilmente um estado que decida não cumprir acordos internacionais poderá escapar a sanções;
- mas o estado credor também enfrenta um risco acrescido. É que a falha por parte do devedor leva ao incumprimento de obrigações para com os seus próprios cidadãos, criando tensões sociais e económicas difíceis de antecipar e que podem ter um impacto muito duradouro.
Seja como for, há alguns fatores que concorrem para dar força à ameaça do devedor:
- se a sua intenção de renegociar provir da avareza e não do desespero encontra-se desde logo numa posição de partida de muito maior conforto, porque pode fazer crer ao credor que tem fundos suficientes para suster o impacto imediato do "não pago";
- se dispuser de aliados poderosos ou se conseguir colocar-se numa posição em que se torna útil a concorrentes do credor pode criar a sensação de que irá contornar as dificuldades criadas pela desconfiança que gerará ou pelas sanções que lhe forem impostas;
- no caso dos estados, é muito importante para a força destabilizadora de um eventual "não pago" o facto de a população do devedor ser manipulável pela propaganda e aceitar de ânimo leve os sacrifícios que decorram do braço-de-ferro a que os governantes se entregam;
- se o credor estiver dependente do devedor no fornecimento de um qualquer bem de necessidade inadiável ou se houver por parte de quem deve uma qualquer questão mal resolvida (um gato preso com o rabo de fora).
Quando vimos os do Syriza ganharem as eleições na Grécia, com todas aquelas promessas de negociação intransigente com os credores, chegamos a pensar que iríamos enfrentar uma situação de ameaça velada do uso do "não pago", o que, vindo de um partido que se diz radical assumiria desde logo contornos que lhe davam à partida uma certa força. Os radicais são, por definição, intransigentes com as suas convicções e pouco dados a razoabilidades. É certo que não topamos nos gregos nenhum dos fatores que poderiam dar força a uma bomba nuclear mental (têm ensaiado uma colagem mal amanhada à Rússia, mas a coisa tem sido pouco credível), mas viamo-los tão afoitos que achamos que era mesmo a isso que vinham.
Ora o que vimos até agora não mete medo a ninguém e aquilo a que temos assistido nestas semanas de novo governo grego não passa de uma pedinchisse barata e infantil (um conto de crianças, como disse o nosso PM). Ninguém verdadeiramente está a ligar peva aqueles dois desengravatados que vieram da Grécia de mão estendida (neste momento, está a meter muito mais medo a Ucrânia) e, se nada de mais forte conseguirem fazer, não vai tardar muito até que os gregos se apercebam que vão mesmo ter que começar a fazer pela vida. A imagem do Juncker a levar pela mão o Tsipras (provavelmente para lhe dar um puxão de orelhas nos bastidores) é bem clara acerca da atitude da Europa para com estes pretendentes a caloteiros sem bomba nuclear.
Até agora, efetivamente, andamos a sobrestimar os gregos!
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