11.2.15

O caso ucraniano

Ver a dupla Merkel/Hollande fazer uma visita a mestre Putin pode parecer a muita gente uma oportunidade de ouro que está a ser dada à paz na Ucrânia, mas a nós parece-nos mais que se está a atirar achas para a fogueira.


Do ponto de vista russo, é evidente que a visita da dupla de ouro acaba por soar a um come to papa, numa altura em que se começam a ouvir com insistência queixumes acerca dos prejuízos que a guerra económica em curso nos está a infligir.

E a realidade é que o czar Vladimir continua a ter tudo para poder levar a bom porto a guerra fria contra o ocidente que, para já, vai travando apenas no leste da Ucrânia (neste momento, parece claro que está mais perto de nos vergar do que em maio passado):
  • O poderio militar russo é absolutamente avassalador (a ideia do Obama de armar os ucranianos para dar luta aos pró-russos deve chegar para nos pôr de cabelos em pé, pois legitimará a intervenção russa na defesa dos russófonos em território inimigo e levará, inevitavelmente, a um agudizar do conflito com consequências imprevisíveis);
  • Na frente interna, por muito má que possa ser a situação económica russa, jamais Putin enfrentará pressões por parte da população como as que existem na Europa ocidental (veja-se a tremenda pressão a que nos está a sujeitar a crise grega);
  • O povo russo é por natureza condescendente para com os políticos, paciente quando as coisas não correm bem (a vodca ajuda) e patriota a um nível doentio (nada disto sucede na Europa ocidental).
Curiosamente, contudo, não é a força dos russos que mais desnivela em todo este jogo de xadrez planetário, mas antes a falta de legitimidade do ocidente. 

O problema ucraniano resulta do falhanço completo de uma nação que, desde que nasceu, em 1991, foi sabotada pelos russos e saqueada por oligarcas e governantes corruptos que não souberam aproveitar o colapso da URSS para construir um estado sólido de que ninguém se sentisse excluído. Os pró-russos do leste, que se já se haviam sentido traídos quando viram as suas casas mudar de país durante o colapso soviético, não tiveram pois qualquer motivo para se tornarem mais ucranianos em todo este tempo e não admira, por isso, que agora sejam a ponta da lança de Putin na reconquista de território e influência.

Acontece que o ocidente que agora luta supostamente para manter o que resta da integridade territorial ucraniana e contra a reconquista russa é o mesmo que se manteve em silêncio perante a sabotagem de vinte anos que levou ao aumento dos que se convenceram de que ficaram mal servidos com o negócio de 1991. E hoje em dia a percentagem de pró-russos no leste da Ucrânia é tão avassaladora que, pelos padrões ocidentais, podemos estar perante uma situação em que se torne legítimo falar em decisão soberana e democrática do povo a opção pela secessão e a junção à federação russa. E esse é o argumento fatal do Kremlin contra o qual esbarramos nós: os russos não estão a invadir nem a fomentar revoltas, antes a prestar uma ajuda (quase humanitária) aos que reconheceram que foram enganados e pretendem regressar às fronteiras pré-perestroika.

Portanto, sem qualquer espécie de legitimidade que nos possa camuflar as nossas reais intenções de impedir um crescimento da influência de Moscovo, e com a guerra económica a fazer ricochete, começa a ser evidente que estamos metidos num sarilho que dificilmente se poderá resolver de uma forma razoável. E quando o ex-secretário geral da NATO vem admitir que os bálticos (membros da NATO) podem ser o próximo alvo russo começa-se a perceber que esta brincadeira pode ter consequências assustadoras. Ou Putin está mesmo louco, ou os nossos andam a pôr-se tão a jeito que o homem está a dar em megalómano!

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