20.7.17

O suíço

Há muito tempo atrás, houve um dia em que o suíço acordou e tomou uma decisão que definiria um estilo de vida: doravante não saio da cama a não ser que lucre para cima de 500%! A ideia veio-lhe, se não estou em erro, depois de verificar que especular nos mercados financeiros faz do trabalho remunerado uma excentricidade que só se justifica se não soubermos fazer mais nada, se andarmos neste mundo tolhidos de medo ou se formos pagos como vedetas da bola. E, assim fez, deixou-se de merdas e abraçou por inteiro uma política de preços extremos. Ao princípio, a clientela torceu o nariz e fugiu a sete pés, mas depois o modus operandi da mente humana fez o que lhe competia. Afinal de contas, que outro motivo haverá para um relógio de pulso custar o mesmo que um apartamento, a não ser o facto de o artista que os vende ser um génio com rodas dentadas e engrenagens?


Com tamanha margem de lucro, o suíço podia deitar-se à sombra da bananeira mas, como é esperto, entregou-se antes a diversificar o sortido, contratou os melhores a quem paga principescamente em troca de uma fiabilidade total, e arregimentou um batalhão de imigrantes para lhe fazer a lida da casa e o trabalho braçal. Com uma localização privilegiada na Europa e uma geografia de encantar, pôde, por fim, gozar as doçuras de uma vida regalada e estar-se nas tintas para a lei da oferta e da procura. 



O freguês do suíço já vai a contar com pagar à grande e depois fica meio anestesiado quando vê a paisagem e a eficiência de processos. Em Zermatt há mais de 500 alojamentos disponíveis e a maioria dos hotéis não passa de habitações familiares e currais transformados e forrados a pinho, à custa do trabalho dos cerca de 3000 portugueses que lá moram e que também tratam da limpeza e da restauração. Se fosse em Portugal a esmagadora maioria daqueles hotéis levaria críticas muito negativas porque nada mais têm para oferecer além do que se encontra na Natureza em volta, mas se forem ver ao Booking ou a outro site de alojamentos verão que praticamente todos os comentários são extraordinários e raro é o hotel que tem menos de 8,5 numa escala até 10. A comida é outro exemplo: é muito fácil pagar 80 euros por cabeça para comer uma estopada que só não vos deixa mal dispostos porque as doses são de medida infantil (duma das vezes encontramos um nosso compatriota que tinha levado para Montreux a arte de virar frangos e nos serviu um exemplar e respetivas batatas fritas a troco de 60 euros, sem direito a bebida). 





A especialidade alpina fondue de queijo consiste numa panela de queijo derretido onde se deve mergulhar pão ou batatas cozidas a gosto. Se comerem tudo, feito só ao alcance dos nativos ou de quem nasceu com uma genética melhorada, é provável que tenham testado os limites do vosso corpo como nunca antes a troco de uma fatura que poderá orçar a 40 euros.


É, portanto, toda uma maneira diferente de proceder a dos suíços e que está nos antípodas do modelo que nós adotamos. A verdade é que eles não são, evidentemente, nem piores nem melhores do que nós. Simplesmente, houve uma altura da sua história em que decidiram perder a lata e começar a cobrar como manda a lei e a coisa foi feita com tanta contumácia e abnegação que ao fim de algum tempo puderam colher frutos (é de encantar ver os grupinhos de senhoras árabes, russas, orientais e afins saírem ataviadas de relógios e joalharia de milhares de euros a peça daquelas boutiques de Genebra, bugigangas cujo único mérito é precisamente o preço que custam). A nós falta-nos a capacidade e o espírito de sacrifício para aguentar o olhar desconfiado daqueles que acham que os estamos a comer de cebolada e, por isso, vendemos pouco acima do preço justo e por preços que estão longe de compensar o trabalho que temos. Mas não fomos finos como os suíços e agora é bem provável que a oportunidade já tenha passado. São maneiras de ser, mas por muito que tenha gostado de ouvir falar tanto português na Suíça, a verdade é que se fica com uma sensação agridoce de que, mesmo sem termos o desplante helvético, talvez pudéssemos ter um pouco mais de amor-próprio.  

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