30.7.14

Que diabo vem a ser o universo?

A esquerda intelectual vai-se mandar ao teto quando se aperceber da ligação direta entre capital e cultura que nos preparamos para fazer, mas a verdade é que se não lerem, não ouvirem música, não forem ao cinema, não frequentarem museus e/ou não viajarem não vão conseguir ganhar dinheiro na bolsa de forma consistente. Se andarem no mundo apenas porque vêem os outros andar têm uma probabilidade de 95% de se encaixarem nos 95% de traders que perdem dinheiro nos mercados, o que vos dá uma perspetiva de 90,25% de se transformarem em loooooooooooseeeeeeeeeeeersssssss! E isto, meus meninos e meninas, não é um facto! É ainda mais do que isso. Trata-se de uma teoria científica que está certa pura e simplesmente porque... nunca falha!

De maneira que nós aqui no NeB, que primamos por fornecer um serviço completo, providenciamos a nossa própria agenda cultural que mais não é do que um singelo contributo para que desempoeirem a alma e tomem fôlego para os desafios dos mercados.

O texto seguinte, que vem acompanhado de banda sonora do tempo em que a música nos deixava o cérebro em estado de contínua epifania, vem da nossa melhor cepa. Enjoy!

Tindersticks, My sister, 1995

Falamos da morte porque ao Ernesto, o que é maquinista na CP, deu-lhe para nos descrever um vídeo que viu no Youtube. Um grupo de guerrilheiros sírios esconde-se num beco de uma avenida em ruínas de Alepo. À vez cada um deles deixa a segurança do beco e entra dois passos avenida adentro de onde descarrega o magazine da ak47 na direção do inimigo. De cada vez que o faz o nosso combatente enfrenta a morte a céu aberto, de cigarro a descair da boca, aparentemente com a mesma tranquilidade com que nós traçamos tremoços e bebemos bejecas. É então que um deles sai mas nem tempo lhe dão para fazer pontaria. O inimigo escavaca a esquina do beco à força de balázios com ele de permeio. A cambalear arrasta-se para a segurança do beco onde a vida o vai deixar confortado pelas vozes serenas dos camaradas que não param de lhe lembrar que Allahu Akbar como se houvesse o risco de ele se esquecer, desnorteado com os estertores da agonia, de quão grande Deus é, ou fosse apanhado de surpresa com a grandeza de Deus e vacilasse na hora de todas as decisões. O Ernesto explica-nos que o que mais o impressionou foi perceber que os guerrilheiros do beco não enfrentam a morte porque têm coragem, ou porque estão desesperados, nem tão pouco porque lutam por uma causa, mas sim porque têm a certeza de que morrendo dessa forma vão para um sítio melhor. Não se trata de fé, de crença, mas de certeza. Nós concordamos. Entretanto, o sol de verão lá longe no meio do sistema solar brilha no céu azul da nossa esplanada com vista para o mar e sentimo-lo descer em direção ao horizonte, mas já não nos apercebemos da rotação da Terra que nos vai trazer o escuro mais logo à noite. Ao Tavares, que como eu estudou física e tem uma natural predileção pela filosofia, dá-lhe agora para achar que os que perderam a fé, não porque não gostassem dos padres ou de ir à missa ou porque eram a favor do aborto ou por causa de qualquer outra norma canónica, mas porque se aperceberam de que a bota não batia com a perdigota e conceitos como Deus e big-bang se auto-excluíam, acabam sempre mais cedo ou mais tarde por readquirir um certo nível de espiritualidade que não põe de parte a ideia de que a morte não é o fim e pode inclusive manter Deus em aberto. Anselmo, que como todos sabem é anarquista, é de opinião de que sobre esses assuntos não se deve falar e o melhor é manter sempre uma sensata atitude agnóstica que nos preserve a sanidade, mas não nos coloque em maus lençóis se se confirmar que Deus é grande. Claro que sendo anarquista e agnóstico, o Anselmo foi obrigado a lutar com meia dúzia de tremoços pela minha atenção e a verdade é que a parte final do que disse voou com as gaivotas para longe e já não lhe consegui chegar. Estamos neste pé quando a pergunta fatal brota de bocarra do Rodrigues, o pasteleiro, como se fosse uma trombada que nos atinge a todos, de modo que ficamos sem ar e vemo-nos na contingência de fazer uma pausa e olhar para a praia à procura de um par de mamas onde possamos pousar os olhos e deixar a mente arrefecer. Que diabo vem a ser o universo? Pela parte que me toca, conformo-me com a explicação de que nós não compreendemos em que tipo de buraco estamos metidos pura e simplesmente porque existem mais estrelas no céu do que neurónios no nosso cérebro, mas acho uma bênção que tenhamos sido gizados com órgãos dos sentidos que sejam justamente adequados a que nos regalemos com as coisas boas da vida. Enquanto assim penso, o Tavares, que já deve estar com os copos, volta à carga. A dada altura do teu percurso formativo, diz, dás-te conta de quão fatelas são os nossos órgãos dos sentidos e como é escassa a porção do universo que nos chega ao cérebro, de maneira que começas a colocar-te questões sobre a realidade e coisas assim e quando acabas estás transformado numa espécie de religioso sem deus que crê que talvez na radiação cósmica de fundo ou no dualismo onda-corpúsculo esteja escondida a nuance que, contra todas as expetativas, nos transporte deste para um universo paralelo no dia em que a morte chegar. E nesse universo paralelo continuamos a viver? O Tavares acha que sim, mas os universos paralelos são uma espécie de paraíso e nunca há chatices nem coisas más. Pela parte que me toca, voto a favor.  

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