Uma das vantagens/tormentos de deixar por escrito é que podemos sempre, mais à frente, avaliar aquilo que dissemos e a forma como reagimos e decidimos num dado passo. Como nesta casa ninguém anda à procura de ter razão (coisa que, como todos sabem, não mata a fome), mas simplesmente de tentar evoluir todos os dias, achamos que é tão importante viver o presente como nos mantermos atentos ao passado, de forma a fazer melhor no futuro. Este texto publicamo-lo faz hoje 1 ano.
É normal perder-se dinheiro na bolsa? - pergunta-nos o nosso amigo Adalmiro Fonseca.
Agradecendo a pergunta de tão ilustre frequentador desta casa, que é de todo pertinente numa semana em que só ganhou dinheiro quem esteve do lado curto do mercado, respondemos com números (que é sempre a melhor forma de responder).
Este que daqui vos fala, que anda nesta faina vai a caminho de 20 anos, tem um total de 30% de meses negativos e nem se envergonha disso, nem foi à falência, nem perdeu a vontade de continuar na jogatina e nem sequer tem registo de noites mal dormidas por conta de encrencas relacionadas com a negociata. É tudo uma questão de calma, de alguma racionalidade e de saber tomar decisões difíceis sempre que nos apercebemos que erramos. E na bolsa, tal como na vida, erramos todos e erramos muito, seja por ignorância, seja porque as circunstâncias se alteram ao minuto e ninguém tem capacidade para reagir tão rapidamente. O problema dos erros é quando não somos capazes de os emendar!
(Para não marrarmos tão a seco contra o muro das lamentações, deixem-se embalar pelo som sábio de Bob Marley (retirado da banda sonora do belo filme francês
La haine que parte de uma frase de que gosto muito:
l'important c'est pas la chute, c’est l’atterrissage!))
No final da semana passada cometemos o erro que vem nos livros. É incrível como, por mais experiência que se tenha, estejamos sempre a falhar como se fôssemos iniciados, mas a verdade é que já nos convencemos de que há alturas em que a emoção pura e simplesmente elimina a racionalidade e contra isso... batatas! Quando a ganância se sobrepõe ao medo pomo-nos a jeito para nos estatelarmos e depois tudo o que resta é que venha a racionalidade de novo salvar-nos do erro, desde que estejamos dispostos a pagar a fatura com línguas de palmo.
Depois da quebra dos 6190 pontos e da entrada do PSI20 no retângulo laranja do nosso gráfico era muito provável uma ida ao topo, mas nesse caso seria difícil imaginar uma quebra à primeira dos 6350 pontos. Mesmo assim, nós pusemo-nos a imaginar isso mesmo, pois a quebra foi tão rápida e convicta que nos convencemos de que ainda havia dinheiro pronto a ser extraído do mercado nem que fosse num movimento de muito curto prazo. Embalados por isso e cegos pela possibilidade de haver uma quebra que projetasse o movimento bem mais para cima fomos a jogo e tomamos conta da carga que outros mais finos que nós tinham para vender. O resultado foi o esperado: em dois dias a resistência fez o seu trabalho e o mercado sobrecomprado veio para baixo em marcha forçada:
Num mercado que leva 30% de subida quase sem respirar é natural que ocorram correções. E claro que, sendo este um jogo em larga medida emocional, é sempre de esperar que se passe da euforia à depressão em menos de um fósforo.
Um mercado que até quarta-feira se estava a marimbar para o problema dos gregos, de repente passou a achar que a Grécia estava decidida a falir e não havia hipótese nenhuma de impedir o suicídio dos comandados por Tsipras, com toda a incerteza que ato tão radical sempre traz.
Mas nós, curiosamente, até nem achamos que tenha sido esse o fator que mais contribuiu para os dois dias de despenque com que fomos presenteados, nem vamos na conversa de que tenha ocorrido um contágio chinês, por causa dos temores com decisões regulatórias na China que provocaram um
sell off em Shangai (notem que o índice chinês sobe 112% em um ano).
Para nós, a grande notícia da semana veio na terça ou na quarta-feira e teríamos fechado posições nessa altura não estivéssemos tão impressionados com a tourada. A notícia veio da inflação na zona euro, que já voltou a terreno positivo (+0,3%). Se ao fim de tão pouco tempo de QE já temos o problema (gravíssimo!) da deflação a dar sinais de ficar sanado, que ideia é essa de haver um programa de compra de ativos em vigor até setembro de 2016? Não estará o BCE a ir depressa e longe de mais? É bem capaz de estar e, mesmo que não esteja, acreditamos facilmente se nos disserem que a torneira fechou já um bom bocado e se acionaram os travões até que cheguem novos números: o Draghi está transformado num piloto de rali, com um pé no acelerador e outro no travão!
Viemos para baixo, portanto! Na sessão de quinta-feira ainda se pensou que o
bull market imporia uma recuperação no dia seguinte. Chegamos a dizer que havia zona de entrada nos 6120 (base do retângulo laranja) ou, melhor ainda, nos 6060 (linha de tendência ascendente desde o início do ano). Quando vimos o DAX a arriar sem pensar nas consequências esperamos para ver.
Para nós, o que nos matou foi aquela quebra da linha de tendência no final da sessão de sexta-feira (ver gráfico acima), que tornou inevitável o fecho de posições, apesar de estarmos conscientes de que:
- o movimento está muito esticado para baixo;
- continuamos em bull market de curto e médio prazo;
- há uma probabilidade muito grande de ressalto no curtíssimo prazo;
- a correção era inevitável e até desejada;
- etc.
A quebra da Lta obriga-nos a ser disciplinados e é preciso pagar o preço pelo risco desnecessário que corremos ao comprar perto da resistência. É assim que garantimos que continuamos vivos para voltar à luta: a bolsa é sobre disciplina e a tomada de decisões difíceis é a parte mais importante de sermos disciplinados! Se a quebra se confirmar nos próximos dias teremos, com probabilidade, uma descida à zona dos 5750-5800. Se não se confirmar e voltarmos para cima da linha em fecho, estaremos prontos para voltar à luta. Eis como uma compra mal feita pode dar origem a uma venda mal feita, com possível recompra mal feita e, assim sucessivamente... Mas estas são as regras do jogo e a nós, nesta casa, ninguém nos tira de ideia de que só assim se ganha dinheiro nos mercados de forma consistente!
Mais uma da nossa banda sonora:
Para ilustrar a problemática da quebra das linhas de tendência vejam o gráfico do DAX:
Se achamos que o movimento de fundo esteja em causa, não achamos, até porque a correção, para além de ser saudável vai ser aproveitada por dinheiro fresco para entrar nos mercados.
Continuamos a achar que o problema grego vai ter que ser resolvido, de uma forma ou de outra, sem que haja qualquer tipo de incumprimento: seria inacreditável um país da zona euro falir e, para além de colocar a Grécia numa situação de emergência humanitária, criava um precedente tão sério para todos os países europeus que, pura e simplesmente, ninguém na Europa quer ficar na História por ter sido responsável por esse tipo de ocorrência. Claro que os do Syriza estão neste momento muito entalados (como dizia um amigo meu, estão entre a espada e a espada), já que não podem ceder às imposições internacionais, pois têm o povo e o parlamento à perna, nem podem implementar o programa pelo qual foram eleitos, porque não há dinheiro: é possível que não escapem desta! Evidentemente, a questão só se vai resolver nos descontos (como às vezes sucede na bola) e, nesse sentido, até achamos que a notícia de que os gregos chegaram a um
acordo com a Rússia para antecipar o encaixe de 3 a 5 mil milhões de euros (ainda que no curto prazo tenha potencial para levar o mercado para cima) pode ser prejudicial, pois acabará por prolongar o bailado!
Mas como já dissemos, se quiserem estar atentos a dados que mexam realmente com os mercados, diríamos que é preciso olhar para os próximos números da inflação. É que todos sabemos que estas subidas de 20 e tal por cento nos índices no que vai de ano têm muito que ver com o programa do BCE. Se a inflação sobe, o Draghi trava, os juros sobem e as bolsas arreiam! Elementar!
E estamos quase em maio...