Terceira parte
Aliás, não foram só os fósforos
que acabaram e não se puderam fazer mais porque não veio a luz, mas onde nós
verdadeiramente nos tramamos a sério foi quando demos cabo da última chispa de lume,
o que, vejam bem, é uma infelicidade bastante grande porque, em primeiro lugar,
ninguém no seu perfeito juízo imagina que a humanidade inteira possa ser tão
passada dos carretos que se chegue ao ponto de deixar esgotar o lume, e, em segundo
lugar, parece que para fazer lume não é preciso ter luz, pelo menos é o que dizem
os entendidos, embora eu não acredite mesmo nada, mas a verdade é que uma coisa
veio a dar na outra e, desde aí, entramos num buraco que parece não ter fundo e
tem um aspeto tão negro que só nos apetece fugir. Mas para onde?
Agora, ainda que fosse possível,
nós já não temos forma de descobrir como se faz lume, porque, antes de termos enviado
para outro mundo a última fagulha de rodízio, deu-nos na cabeça para reduzir a
cinzas uma data de bugigangas que não tinham qualquer tipo de utilidade prática
e foi assim que acabamos por liquidar todos os livros do mundo. E foi um
regabofe estupendo, um pagode sem fim, garanto-vos que até valeu a pena, mas
acabamos por pecar por só depois nos termos lembrado de que agora, que a luz
elétrica se foi e já não veio, não podemos ir à net, nem aos ficheiros
informáticos ou aos ebooks e a todas
essas coisas que tanto estimávamos e dávamos por adquirido e, bem, digo-vos em
abono da verdade que já não atinamos fazer coisas que acho que os cabeludos das
cavernas eram capazes de fazer enquanto o diabo esfregava um olho.
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