Há um ano atrás não faltavam analistas a considerar a Ibéria como uma zona a privilegiar na alocação de investimentos para o ano de 2014 e havia mesmo quem considerasse Portugal como o destino predileto e uma das possíveis boas surpresas em termos de rentabilidade. Não admira, por isso, que a média dos preços-alvo das casas de investimento para as ações nacionais, a atingir no final do ano, trouxesse implícita uma valorização de cerca de 20%. Os argumentos dos espertos eram razoáveis e simples de entender: depois de 3 anos de ajustamento ao toque de caixa marcado pela troika, o país parecia dar boas indicações de que estava finalmente no caminho de um crescimento sustentável. Para além de um recuo do desemprego, de algum crescimento económico e de uma trajetória favorável da balança comercial com o exterior, existiam fortes indícios de que o essencial do acordado no programa de resgate financeiro seria cumprido de maneira a que o país pudesse estar livre da alçada dos credores internacionais no prazo previsto. Com ou sem programa cautelar era algo que estava para saber, mas a descida sustentada do prémio de risco e das yields das obrigações da república no mercado secundário deixavam antever que a missão essencial seria cumprida.
Há um ano, o PSI20 arrancou nos 6560 pontos, depois de uma subida de 16% no ano anterior, a taxa de juro implícita nas obrigações a 10 anos estava nos 6,5% (com um prémio superior a 6 pontos percentuais relativo às obrigações alemãs), o preço dos CDS para cobrir o risco da dívida nacional colocava-nos no 7º lugar entre os países mais arriscados do mundo e já havia notícias de problemas graves no BES e de inevitáveis aumentos de capital em outros bancos por conta dos testes de stress. Entretanto, o euro valia 1,3770 dólares, o petróleo era importado quase ao dobro do preço a que o compramos hoje e qualquer plano do BCE para intervir nos mercados de uma forma mais arrojada era encarado como uma possibilidade longínqua e de último recurso. O desemprego estava acima dos 15%, havia nuvens negras sobre o orçamento de estado, e risco real de queda do Governo.
Uma cantiga para digerir melhor o que aí vem (Once I wanted to be the greatest, e então veio a enxurrada da realidade and melt me down; agora descanso for the later parade):
Agora, o PSI20 arranca nos 4850 pontos, 26% mais barato que no início de 2013 e, embora cerca de 11 pontos percentuais dessa queda correspondam ao desaparecimento do BES, há empresas 70% mais baratas que há um ano atrás, e apenas as três firmas ligadas ao papel (incluímos a Semapa) e as 3 que laboram na produção e distribuição de eletricidade estão mais caras. A queda anual do PSI20 só foi batida pela dos russos, que foram alvo de sanções económicas e vítimas da queda da principal fonte de receita do país, mas foi maior que a da ainda destroçada Grécia, da radicalizada Hungria ou da dividida e falida Ucrânia.
Entretanto, a troika foi-se sem cautelar e os juros desceram para mínimos históricos, o desemprego baixou e nota-se que a criação de empresas segue a bom ritmo, as exportações continuam pujantes, o consumo dá sinais de retoma sem beliscar as taxas de poupança, o turismo bate recordes (Lisboa ombreia com Madrid em número de dormidas e o Porto transformou-se no destino da moda), a banca parece mais saneada e começa a ficar claro que a solução encontrada para o BES foi a menos má entre o cardápio disponível, o crescimento económico tem razões para se reforçar com as quedas simultâneas do euro e do petróleo, finalmente parece haver mais gente a contribuir para o financiamento do país, fruto de ajustes no controlo fiscal e uma maior consciencialização dos portugueses para a importância de todos participarem, há a sensação de que o combate à corrupção se tornou mais sério e é possível que, estritamente dentro do mandato do BCE, tenhamos um QE europeu que despeje euros nos mercados.
Incrivelmente, porém, as mesmas vozes que há um ano atrás gritavam compre-se, agora recomendam cautela e aconselham os investidores a optarem por procurar investimentos menos arriscados que as ações nacionais. Cada um de nós intuitivamente crê que é melhor analisar outros mercados e procurar alternativas, em vez de investir no malfadado PSI20, cheio de empresas endividadas e mal geridas. Psicologicamente estamos tolhidos pela descrença e afundados no pessimismo criado por um ano historicamente difícil.
Agora, qualquer facto novo é sempre analisado pelo lado mais sombrio e estamos sintonizados no efeito negativo. A mesma chusma de analistas da treta de há um ano atrás volta a inundar-nos os ouvidos das mesmas ideias feitas que nunca resultaram e que só fazem perder dinheiro aos que os seguem (os tais 90 e tal por cento que torram dinheiro nos mercados), chegando ao ponto de o ridículo se tornar hilariante. Exemplo disso é a análise que dita que a queda do preço do petróleo pode não ser tão boa quanto isso porque prejudica as exportações para Angola. Foda-se! Então queremos que o petróleo suba para exportarmos mais para os angolanos? É bom ter o petróleo a 150 dólares, mesmo pagando o gasóleo a 2 euros, porque vamos exportar mais para os nossos amigos de Luanda? É esse o raciocínio? Ou é uma coisa mais suave, do tipo a descida do preço do petróleo é boa mas tem defeitos?! Foda-se outra vez! Há quem diga que até o paraíso celeste tem defeitos, quanto mais a descida do petróleo! Só falta dizer que a queda do euro, com o petróleo a cair também tem bicho! Mas é este precisamente o tipo de raciocínio típico de um bear market. Coisas do tipo: ah, a empresa está com um PER de 5 e desceu 70% num ano, mas eu não lhe toco porque está cara pa caralho e os analistas aplicam-lhe um price target de metade. O BCP, para darmos um exemplo, a 14 estava barato e os da Blackrock fizeram uma aplicação de génio (estávamos todos bull), mas a 7 está caro, seis meses depois, pura e simplemente porque ficamos bear. A mente humana é foda! Já há quem diga que vai aos 3 cêntimos e, se assim for, continuará a descer até ficar com valores negativos! São os efeitos da deflação que o BCE tem que combater!
Notem que nós não estamos a dizer que o PSI20 vai subir, até porque o medo entranhou-se na mente da massa dos investidores e não há nada mais difícil de eliminar da nossa mente que o medo. É algo que nos foi imprimido nos genes por milénios de convivência com predadores nas savanas. O que queremos dizer é que ninguém ganha dinheiro na bolsa a ouvir o que a maioria tem para dizer, pura e simplesmente porque a maioria anda a ouvir-se a si própria e fala em circuito fechado. O importante é que tenhamos a consciência de que é em períodos de transição bear/bull market que fazemos grandes negócios e arriscamos arranjar a nossa vida. E esses períodos de transição nunca vão ser anunciados pelos analistas nem comentados entre a multidão. Se estivermos à espera disso, o mais provável é que entremos no mercado quando a maior parte dos que ganharam dinheiro já estejam de saída!
Honestamente, embora já se vejam muitas vozes de desprezo saudável pelo PSI20, imensos sinais de descrença na nossa bolsa e andem no ar as tradicionais visões pessimistas sobre tudo, ainda não temos a certeza de já termos atingido esse tal ponto de inversão. Tememos que o mercado necessite de uma vinda cá abaixo à zona dos 4400 pontos para capitular em definitivo, e que seja necessário um período de pousio para que se possa assistir a um regresso às subidas:
Evidentemente, persistem os desafios e nem precisávamos de ouvir a mensagem de ano novo do nosso presidente para saber que, no geral, continuamos pouco acima da caca e só nos vale este magnífico céu azul:
No curto prazo, contudo, cremos que poderá haver espaço para subir. Por um lado, podemos ter a tradicional entrada de fundos de início de ano (e os fundos, depois da debandada do ano passado, vão ter certamente trabalho para refazer uma carteira lusa que se veja). Também parece ter havido, nos últimos tempos, uma maior dificuldade dos ursos em fazer cair as cotações, tendo sistematicamente encontrado compradores que ampararam o tranco e evitaram a debacle até ao tal suporte à volta dos 4450 pontos. A avaliar pelo comportamento dos juros da dívida, parece haver indicações de que o efeito BCE se prepara para ofuscar as eleições gregas, estando por ora afastado um cenário de contágio de uma situação de incumprimento (como poderia acontecer há 2 anos atrás). Em última instância, uma vitória do Tsipras pode até trazer vantagens para o nosso país, se os nossos souberem e quiserem aproveitar as cedências camufladas aos gregos que com mais ou menos azedume se terá que fazer. Como dizia Bismarck, a política é a arte do possível, e nós acrescentamos que o possível é sempre ditado pelas circunstâncias (e não o contrário). O gráfico também não descarta uma subida:
Colocamos uma Ltd de muito curto prazo, com dois toques desde o início de dezembro, e que foi quebrada na sessão de sexta-feira. Para já é só um projeto de sinal positivo que terá de ser confirmado já amanhã em fecho. Também metemos o MACD que deu um ténue sinal de compra, que ainda não inviabilizou e que pode reforçar na próxima semana. Como para baixo também é caminho, diríamos que a quebra do mínimo relativo nos 4700 é a morte do artista e põe-nos outra vez em fuga forçada com as calças na mão. Mantemos as linhas principais que já nos vinham a acompanhar desde o ano passado, e cuja quebra nos ajudou a entregar a carga a outros no caminho descendente. A linha tracejada a vermelho é o primeiro alvo difícil no caminho para cima, necessitando de uma subida de 10% que pode ser propulsionada pela tal entrada afoita de fundos, se houver cansaço por parte dos ursos depois do combate a que se entregaram ao longo da segunda metade do ano passado (aqui vamos precisar também de uma ajuda dos índices europeus, que cumprem com o papel que lhes destinamos se forem para máximos). Entre a linha vermelha e a linha tracejada preta temos o terreno em que os pessimistas vão começar a ter dúvidas e os cínicos continuarão a fazer referência às perspetivas negativas, embora se estejam a encher de mercadoria. Para nos mantermos nesta zona vai ser necessário bons números dos resultados e da dívidas das empresas e que não surjam surpresas negativas do lado do crescimento económico nem cisnes negros, como sucedeu no ano passado. Logicamente, ninguém está à espera que se trepe a galope e de uma tirada só: isto vai ser empreitada para pacientes com muitos recuos ou não estivesse tudo tolhido pelo caguefe! Só depois, lá mais para cima, teremos o famoso retângulo laranja, acima do qual os ursos pessimistas hibernam e regressamos a um sempre bem-vindo bull market. Para isso, precisamos de uma subida de 32%! Teremos oportunidade de voltar a falar antes que aconteça! Bons negócios!
Um cenário alternativo a ter em conta...: http://www.zerohedge.com/news/2015-01-07/10-key-events-preceded-last-financial-crisis-are-happening-again.
ResponderEliminarOs tempos andam muito conturbados, e todas esta volatilidade nos mercados não é bom sinal....
Nota Filipe que eu não apresento um cenário de descida ou subida ao longo do ano, pelo que a visão deste artigo não é contrária à minha e tem aspetos com os quais eu concordo. Aliás, o único aspeto com que eu não me identifico é com o título, porque a história nunca se repete exatamente da mesma forma, pelo que, apontar sinais passados para prever o futuro é sempre má ideia! O que eu acho é que neste momento, por muitos sinais negativos que encontremos, deve ser mais fácil entrar no mercado do que há um ano atrás. E raramente temos consciência disso porque agora estamos tolhidos pelo medo. Aliás, é essa a origem da volatilidade!
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