História nº 1 (nona parte)
Apesar de os empréstimos que nós fazemos poderem ser considerados bens com valor intrínseco, ninguém no seu perfeito juízo vai fazer empréstimos só para ter mercadoria dentro de loja e poder realizar capital com vendas. É que os empréstimos implicam que nós abdiquemos de uma parte da nossa riqueza e, apesar de as dívidas trazerem o bónus dos juros que acordamos, a não ser que incorramos no pecado da usura, é altamente improvável que uma dívida valorize ao ponto de a atividade de prestamista ser interessante. No fundo, um empréstimo é a troca direta de tempo por juros: abdicamos de um bem no imediato, em troca de um suplemento para o mesmo bem ao fim de algum tempo. No final, acaba por ser uma espécie de jogo de soma nula.
Mas agora vejam a atividade de prestamista do ponto de vista da Banca. Quando um banco empresta dinheiro tudo o que faz é colocar um número, que representa o tal recibo do antigo banqueiro/ourives, na conta bancária do cliente. Com esse número, o cliente pode fazer os pagamentos que entender, mas nunca haverá verdadeiro valor a sair do sistema bancário porque, em princípio, nunca sucederá que todos os possuidores de “recibos” emitidos pelo banco (números em contas bancárias, notas ou cheques) acudam a reclamar pelo valor que eles representam. Em troca da escrita do número na conta bancária do cliente, o banco recebe uma hipoteca que assegura o retorno do recibo ao banco sob a forma de efetivo valor (porque sairá do trabalho e do engenho do cliente), acrescentado do juro acertado, com a garantia de que, caso ocorra incumprimento, passará para a posse do banco um bem de valor fidedigno que substitui a palavra do cliente.
Portanto, ao contrário do que se passa com cada um de nós, o banco não tem que abdicar de nada para poder emprestar. E é aqui que está o toque de Midas da banca. Os empréstimos são verdadeira mercadoria que acrescentam valor real ao que existe no cofre (uma vez que são feitos sem que exista saída de valor do cofre, ao contrário do que sucede com cada um de nós). Na banca, os empréstimos não são de soma nula.
Vamos supor um banco (um banquinho) que tem valores no cofre correspondentes a 1000€ de capital. Como, em princípio, ninguém vem reclamar esses valores (porque os clientes passam a vida a trocar entre si os recibos que o banco emitiu), o banco pode emprestar esses 1000€ e cobrar juros sobre eles.
Mas não faz exatamente isso.
Em primeiro lugar, é necessário garantir alguma margem de segurança (reservas), porque é sempre possível que alguns clientes reclamem os valores depositados! Digamos que é sensato reter 10% do valor do cofre. Dessa forma, o nosso banquinho pode dispor de 900€. Agora imaginem que um cliente se apresenta para solicitar um empréstimo nesse valor. O banco inscreve na conta bancária do cliente os 900€ e recebe em troca uma hipoteca que, em princípio, terá o mesmo valor, e que é colocada no cofre, passando a dispor de valores de 1900€. Agora, já pode fazer um novo empréstimo, nos mesmos moldes, de 810€, que levará o valor no cofre para 2710€ e lhe permitirá fazer outro empréstimo de 729€ e assim sucessivamente. No final, o valor inicial de 1000€ vai permitir ao banco fazer empréstimos de 10000€ mantendo as reservas de 10%, sendo o valor criado pelas hipotecas que, por sua vez, são cobertas pelo trabalho do cliente ou pelo bem dado como garantia. O próprio Senhor não faria milagre maior!
Portanto, quantos mais empréstimos o banco fizer, mais valoriza o cofre, se estiver cotado em Bolsa mais as suas ações valorizam e mais dinheiro ganha e dá a ganhar! E ainda é possível fazer alguns truques como, por exemplo, sobreavaliar as hipotecas: se o empréstimo de 900€ for avaliado como 1000€, o banco poderá dispor logo de mais dinheiro para emprestar. No meio disto tudo, é evidente que a taxa de juro cobrada no empréstimo pode ser bastante inferior ao que seria normal. Se vocês têm 1000€ e só podem emprestar esses 1000€ a taxa de juro é primordial: entre 5 e 10% há uma diferença relevante (50 ou 100€ por ano). Mas, se com esses 1000€ podem emprestar 10000€, passam a obter o mesmo rendimento com taxas de 0,5 ou 1%. E depois a concorrência encarregar-se-á de baixar ainda mais as taxas cobradas.
Agora já sabem por que motivo a casa de tanta gente foi avaliada como se tivesse sanitas de ouro e o vosso spread, se for suficientemente antigo, é tão baixo. E como é que houve tanta fartura e facilidade e mesmo assim os bancos tiveram lucros fabulosos.
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