10.5.15

Seis livros sobre a II Guerra Mundial

O final da Segunda Guerra Mundial é o pretexto perfeito para vos sugerirmos 6 leituras que a nós muito nos têm ajudado a lidar diariamente com os desafios que a vida nos vai colocando. É que, estamos em crer, nunca como nessa época foi o ser humano sujeito a tão grandes provações, de uma forma tão sistemática e inovadora, nem jamais se atingiu um extremo tão grande de insanidade, de crença cega e de desumanidade como nesses seis anos. E julgamos que é nos extremos, nos Cisnes Negros (como diz Nassim Taleb no seu livro que fala de acontecimentos raros e de rutura), que devemos procurar os grandes ensinamentos.


O livro do recentemente falecido historiador britânico Martin Gilbert é a grande descrição das decisões dos diferentes governantes e do desenrolar das operações no terreno à medida que a guerra avança. Como introdução ao tema não há melhor, sendo Gilbert pormenorizado q.b., sem ser exaustivo, dando-nos uma perspetiva circunstanciada dos acontecimentos numa base diária, ainda que não entre em grandes pormenores acerca das motivações dos diferentes protagonistas, nem dos debates que antecederam as tomadas de decisões. Peca por uma natural parcialidade britânica e também por não nos dar qualquer vislumbre sobre a realidade concreta no terreno, o modo de vida das populações, os dramas das batalhas ou as consequências diretas na vida dos envolvidos que o desenrolar de acontecimentos tão dramáticos ia tendo. É um livro de relato e nesse sentido acaba por não ir muito mais longe do que documentários que possamos ver no Canal de História, mas mesmo assim, é leitura que se recomenda para aqueles que querem tomar contacto com o turbilhão de acontecimentos históricos. 



Ian Kershaw ficou famoso com a biografia de Hitler que publicou em 2001 e que é considerado como o documento definitivo sobre a vida do fuhrer e a construção da mentalidade nazi. O livro que vos recomendamos começa no dia D (6 de junho de 1944), dia que nas palavras do autor marca o princípio do fim do Terceiro Reich, embora no decorrer da obra percebamos que o fim já estava traçado desde a derrota de Estalinegrado, em fevereiro de 1943, e acaba com a rendição alemã. É a descrição, com detalhe, dos acontecimentos que precipitaram a queda e a desgraça da Alemanha, das decisões cada vez mais irracionais da cúpula nazi, do drama da população alemã vinculada, por um lado, ao líder que seguiu cegamente durante tanto tempo, mas cada vez mais consciente de que a derrota e a vingança dos vencedores seria inevitável. É a história do fecho da tenaz em torno dos cada vez mais isolados nazis, com os russos selváticos por um lado e os aliados implacáveis por outro, numa espiral de brutalidade como nunca antes sucedera.


Antony Beevor é outro profundo conhecedor do tema, com diversas obras publicadas, entre as quais esta sobre os dias do fim da capital do Reich. O livro começa em Berlim, no dia de Natal de 1944, e podemos dizer que se trata de uma visão amplificada da obra de Ian Kershaw. Aqui é o drama das populações que constitui o assunto central e a verdade é que o livro não poupa nos pormenores. A brutalidade da vida dos alemães nesses meses de 1945, quando o feitiço se virou contra eles e se tornam alvo da vingança de ingleses, franceses e, acima de tudo, do exército vermelho, ao mesmo tempo que são massacrados pela própria Wehrmacht ou presos pela Gestapo quando mostram hesitação (ficaram para a história os populares que eram enforcados com letreiros pendurados em que se lia "fui enforcado por ter sido covarde"). É a descrição da loucura final dos dirigentes nazis que impõem uma luta até à destruição final, mesmo quando todos percebem que a derrota é inevitável, e o relato de como muitos não hesitaram em tentar, pura e simplesmente, salvar a pele (veja-se o caso de Himmler), mesmo que para isso tivessem de impor sacrifícios ainda maiores àqueles que durante tanto tempo neles confiaram cegamente.


Como funcionava a Alemanha nazi do ponto de vista económico? Como é que durante uma grande parte da Segunda Guerra Mundial foi feito o saque e a distribuição do despojos de guerra de modo a manter o povo satisfeito e os índices de popularidade de Hitler e dos dirigentes nazis tão elevados? Quais foram as motivações económicas para a guerra? Como é a economia de um estado totalitário, conquistador e esclavagista? É este o assunto do livro do historiador alemão Gotz Aly, que tem a grande mais-valia de nos explicar os desafios que se continuam a colocar mesmo à economia de uma nação que extrai tantos recursos, a um ritmo tão avassalador, a um número grande de países ou a uma parte tão rica da população europeia como eram, por exemplo, os judeus (o caso da Grécia, por exemplo, a que se referem agora os governantes daquele país, com os já famosos pedidos de indemnização, é descrito com detalhe). A forma como se lidou com a moeda, como foi feito o pagamento aos soldados, como a corrupção levou a um acelerar do fim ou como o sistema de favores mútuos entre a população contribuiu para que rapidamente todos estivessem comprometidos com máquina de guerra nazi.


No que diz respeito a obras de ficção sobre a Segunda Guerra Mundial é difícil bater Vida e destino de Vassili Grossman, que juntamente com Kaputt de Malaparte (de que já falamos aqui e aqui), são os grandes relatos da experiência no terreno por quem a viveu. Grossman era soviético e relata-nos as vicissitudes da vida sob o regime de Estaline e os dramas dos combatentes do exército vermelho durante o cerco de Estalinegrado. Perceber o efeito criado na imensa soldadesca pela impossibilidade de recuar, sob pena de Gulag, e o enorme desafio de lutar com um exército nazi aparentemente invencível é o grande trunfo que nos dá este livro monumental que, não sendo de leitura fácil (é colossal, por exemplo, o número de personagens e é fácil perdermo-nos nos nomes e diminutivos russos) acaba por ser pedagogicamente imbatível, por nos dar a conhecer a enorme capacidade de resistência e de adaptação do ser humano.


E deixamos para o fim aquele que, estamos em crer, é o melhor livro de ficção sobre a Segunda Guerra Mundial. Ainda que escrito por um escritor que não viveu os acontecimentos (nasceu apenas em 1967) as Benevolentes de Jonathan Littell tem a força de um registo biográfico. "Irmãos humanos, deixem-me contar-vos como foi que se passou", assim começa o relato na primeira pessoa de Max Aue, oficial das SS, desde que começa a sua formação militar até ao dia em que as Benevolentes descobriram o seu rasto numa Berlim destruída e conquistada pelos soviéticos. A escrita magnífica de Littell (como é que um jovem que na altura tinha menos de 40 anos conseguiu escrever aquilo é algo que ainda estou para perceber!) torna a leitura das quase 900 páginas do livro um prazer raro e, apesar de sermos confrontados com uma realidade cada vez mais violenta, crua, sangrenta e irracional nada há no livro que seja excessivo ou inacreditável. Como é que os nazis justificavam para si próprios os seus atos, como conseguiam aguentar o peso da consciência e de que forma lidavam com o horror diário em que se encontravam atolados é-nos explicado de forma límpida e precisa por Max Aue nas suas deambulações e aventuras. Um livro absolutamente obrigatório se queremos compreender a natureza humana, se gostamos de literatura de grande nível e se nos interessamos pela história e, já agora e porque não, pelos negócios e por negociar em bolsa. Pode não vos dizer muito, mas digo-vos que este livro se encontra no 5º lugar num top pessoal que contém mais de 400 entradas. Vale bem a pena! 

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