1.3.17

A receita para a felicidade: Stoner, de John Williams. (Segunda parte)

Como dizia Francis Bacon, o pintor, “A vida não tem sentido. Tem apenas o sentido que lhe queremos dar”.

Se lhes parece, no final, que a personagem Stoner teve uma vida triste e patética, é exatamente o oposto. Teve uma vida melhor do que muitos de nós porque fez o que gostou. Dedicou-se verdadeiramente, teve fé no que fazia. Deu sentido a cada momento da sua vida, nunca esperou as férias ou a reforma para poder enfim “gozar”, “respirar” ou “viver”. Cada dia de Stoner foi uma respiração profunda e serena, sem arrependimentos.

Trabalhar como quem cumpre uma missão. É este todo o heroísmo. Uma vida vulgar marcada por algumas alegrias fugazes - uma aventura extraconjugal, momentos de cumplicidade com a filha, a partilha do saber – e, acima de tudo, a dedicação ao seu trabalho, à literatura e à docência, o seu espaço de liberdade


 Em Stoner, não há lutas, nem vinganças, nem crimes, nem desgraças, nem revelações. Uma vida simplesmente. Uma espécie de anti-herói como melhor antídoto para sobreviver e sair ileso disto tudo. Um livro sobre a banalidade de uma vida, mas sem o vazio e o absurdo que caracteriza as personagens de um Gustave Flaubert. 

“William Stoner começou a tomar consciência de duas coisas: começou a perceber o quão importante e central Grace (a filha) se tornara na sua vida; e começou a compreender que talvez fosse possível tornar-se um bom professor.”

Assim, apesar da sua vida parecer ser uma soma de decisões tomadas em detrimento dele próprio, Stoner é tudo, menos um looser ou um covarde. Tem a força dos fracos, a paciência de esperar dias melhores, deleitando-se, não obstante, com o trabalho. Refugia-se na vida que conhece, consciente que não tem as armas para lutar contra o inevitável. Quando, no decurso das duas Grandes Guerras, os jovens se sentem chamados a cumprir o seu dever patriótico…

“Stoner percebeu a futilidade e o desperdício de uma pessoa se empenhar de corpo e alma nas forças irracionais e negras que impeliam o mundo para o seu fim desconhecido (…) para não ser apanhado pelo frenesim que observava à sua volta. E tal como noutros momentos de crise e desespero, virou-se mais uma vez para a fé cautelosa que a universidade encarnava enquanto instituição. Disse a si próprio que não era muito, mas sabia que era tudo o que tinha.” (p. 203).

A obra, numa escrita sóbria e ao mesmo tempo profunda, é uma longa reflexão sobre o sentido da vida, sobre o essencial.

“Chegara àquela idade em que lhe ocorria, com crescente intensidade, uma pergunta de uma simplicidade tão avassaladora que não tinha como a enfrentar, dava por si a perguntar-se se a sua vida valeria a pena, se alguma vez valera a pena. Era uma pergunta, desconfiava ele, que assolava todos os homens a dada altura (…). A pergunta acarretava uma tristeza, mas era uma tristeza geral que (pensava ele) pouco tinha que ver consigo ou com o seu destino em particular.”

Estranho é saber que esta obra, quando publicada pela primeira vez, em 1965, caiu no esquecimento e foi redescoberta muito mais tarde graças ao empenho de alguns admiradores que souberam ver para além dos sucessos de venda e dos prémios.


Obrigada pela fé destes leitores.

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