A família é o único refúgio que
nos resta? De acordo com alguns, seria a última cidadela face à crise, uma
pequena bolha de felicidade no caos do quotidiano.
Na verdade, para Yann Moix, autor
de Nascimento (já mencionado em
publicação anterior), a família é o inferno, pode ser invasiva, opressora,
mesquinha. A família nunca está bem: ou está muito presente e abafamos, ou
temos falta dela e é um traumatismo para a vida. Daí a tentação de escolher
outra família, a dos amigos.
Ele defende que não podemos
confundir genitores e pais. O génio do Cristianismo foi de ter paradoxalmente desbiologizado a relação entre o pai e o
filho. Os cristãos inventaram esta transcendência segundo a qual ser progenitor
não é nada de biológico. Palavras provocadoras de um homem que foi vítima de
maus tratos em criança, mas estas afirmações têm a vantagem de nos pôr a pensar
sobre o que é realmente a família.
O narrador usa uma imagem muito
bem conseguida para exprimir a experiência da criança maltratada: a
família é como a Coreia do Norte, ou seja, o único referente da criança
é a sua família, mesmo quando é maltratada ou mal amada, ela ama os pais como
se os pais não a espancassem; pois cada tareia é um ato de amor. Só
posteriormente, depois de ter escapado da Coreia do Norte, é que ela percebe
retrospetivamente que a sua infância foi infeliz. O melhor seria, assim, a
família escolhida. Um homem não nasce num dia, mas ao longo dos anos, dos
encontros, das leituras…
Um ódio à família que vem de
longe: Platão na República imagina
que, para criar uma cidade justa, é necessário que as crianças sejam retiradas
às suas mães para serem criadas juntas de maneira que possam dizer a todas
mulheres mãe e a todos os homens pai. Compreende-se, agora, a razão pela
qual a filosofia fala pouco de família…
A questão é: o que aceitamos da
natureza, da biologia, da História e o que é que queremos escolher? Ora, atualmente,
há uma exigência crescente de escolhas absolutas, quando, na verdade, nos
esquecemos que não escolhemos nascer, não escolhemos o nosso nome, os nossos
genes. Assim, autocriar-se, decidir
constantemente da sua própria existência é uma fantasia.
Cada indivíduo surge no decurso
de uma história, ele é o resultado e o elo desta história e, em função do
estado de transmissão, pode haver adulação da família, vendo-a como um refúgio
e uma necessidade, qualquer coisa de fundamental, e pode haver a rejeição da
família.
Mas, aconteça o que acontecer,
acabamos sempre por querer fundar uma família. Ironia da vida? Não. É a lei que
paira sobre todos nós, felizes ou infelizes.
Parece-me, portanto, que a
família, já que insistimos em criá-la, é um refúgio que devemos preservar, para
poder voltar a ela como únicos e insubstituíveis, sempre que o mundo à volta insiste
em fazer de nós apenas mais um.
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