16.3.17

Família, o que fazer com ela? (para rematar a questão)

A família é o único refúgio que nos resta? De acordo com alguns, seria a última cidadela face à crise, uma pequena bolha de felicidade no caos do quotidiano.

Na verdade, para Yann Moix, autor de Nascimento (já mencionado em publicação anterior), a família é o inferno, pode ser invasiva, opressora, mesquinha. A família nunca está bem: ou está muito presente e abafamos, ou temos falta dela e é um traumatismo para a vida. Daí a tentação de escolher outra família, a dos amigos.

Ele defende que não podemos confundir genitores e pais. O génio do Cristianismo foi de ter paradoxalmente desbiologizado a relação entre o pai e o filho. Os cristãos inventaram esta transcendência segundo a qual ser progenitor não é nada de biológico. Palavras provocadoras de um homem que foi vítima de maus tratos em criança, mas estas afirmações têm a vantagem de nos pôr a pensar sobre o que é realmente a família.

O narrador usa uma imagem muito bem conseguida para exprimir a experiência da criança maltratada: a família é como a Coreia do Norte, ou seja, o único referente da criança é a sua família, mesmo quando é maltratada ou mal amada, ela ama os pais como se os pais não a espancassem; pois cada tareia é um ato de amor. Só posteriormente, depois de ter escapado da Coreia do Norte, é que ela percebe retrospetivamente que a sua infância foi infeliz. O melhor seria, assim, a família escolhida. Um homem não nasce num dia, mas ao longo dos anos, dos encontros, das leituras…

Um ódio à família que vem de longe: Platão na República imagina que, para criar uma cidade justa, é necessário que as crianças sejam retiradas às suas mães para serem criadas juntas de maneira que possam dizer a todas mulheres mãe e a todos os homens pai. Compreende-se, agora, a razão pela qual a filosofia fala pouco de família…

A questão é: o que aceitamos da natureza, da biologia, da História e o que é que queremos escolher? Ora, atualmente, há uma exigência crescente de escolhas absolutas, quando, na verdade, nos esquecemos que não escolhemos nascer, não escolhemos o nosso nome, os nossos genes. Assim, autocriar-se, decidir constantemente da sua própria existência é uma fantasia.

Cada indivíduo surge no decurso de uma história, ele é o resultado e o elo desta história e, em função do estado de transmissão, pode haver adulação da família, vendo-a como um refúgio e uma necessidade, qualquer coisa de fundamental, e pode haver a rejeição da família.

Mas, aconteça o que acontecer, acabamos sempre por querer fundar uma família. Ironia da vida? Não. É a lei que paira sobre todos nós, felizes ou infelizes.


Parece-me, portanto, que a família, já que insistimos em criá-la, é um refúgio que devemos preservar, para poder voltar a ela como únicos e insubstituíveis, sempre que o mundo à volta insiste em fazer de nós apenas mais um. 

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