Há uma história que se conta (ignoro se verdadeira) sobre uma fulana que, há muito tempo atrás, era proprietária de um bar próximo da bolsa em Wall Street chamado Dumbar. O nome era uma homenagem aos clientes que eram todos burros assumidos: eu é que sou burro, vendi; que burro, comprei, etc. De facto, o verdadeiro investidor passa tanto tempo a ser burro que a dada altura corre o risco de deixar de ser humano. Não deixem que isso aconteça!
Mas aparte auto-insultar-se de burro, trader que é trader passa a vida a sonhar com uma máquina do tempo: que máximo seria voltarmos ao início da manhã de ontem e enchermos o saco de ações do BCP!
O texto que se segue, dividido em duas partes, integra-se na agenda cultural desta casa, e relata acontecimentos que se passaram comigo há muito tempo atrás, quando eu era estudante. A verdade é que as máquinas do tempo (tal como a burrice) são perigosas!
Como não queremos que vos falte nada, no final deixamos uma cantiga para compor.
O meu amigo Tavares inventou um sistema e agora consegue
viajar no tempo.
Há dias na escola deixou-nos a todos varados com as
aventuras estupendas que viveu com um dos seus 32 pentavôs que se dava tu cá tu
lá com o Camilo Castelo Branco. Por jeitos, o avô oitocentista do Tavares era
gozado à brava pelo Camilo por ter vindo do Brasil tão carregado de ouro, que
lhe deu para inchar ao ponto de ninguém o merecer. Mas nunca deu por ela e, como
mal sabia ler, tomava as graçolas por elogios e nem lhe passou pela cabeça que se
tinha tornado modelo de romance. O Tavares contou-nos a história meia
esfarrapada como se a tivesse sonhado, mas o mais baril foi quando nos explicou
como fez de servente de mesa no casamento do vovô com uma das suas trinta e
duas pentavós, uma mocinha muito pia e envergonhada quase quarenta anos mais
nova. A boda foi um acontecimento de tal monta que até fogo-de-artifício meteu
e o avô, que tinha subido ao importante posto de comendador, arregimentou as
figuras mais importantes da região e empanturrou toda a gente com carne, morcela,
vinhão e acepipes. Veio o clero em peso para que tudo fosse feito de maneira
regulamentar e também não faltaram capitães da guarda e do exército e condes,
viscondes, advogados e juízes. Também alguma ralé para compor. O Camilo era um
dos que lá estava a cravar estórias com ar de cusca e, pasme-se, Almeida
Garrett. Rimo-nos muito quando o Tavares nos contou como, enquanto passava com
a bandeja dos rissóis, perguntou ao Almeida o que lhe tinha dado na cabeça para
escrever um livro tão aborrecido como o Viagens na minha terra. E ele? Ele bebericou
um tracinho de pinga muito nervinho em franja como se lhe fosse dar o chilique
e chamou o meu avô que tratou de me pôr no olho da rua. E eu, ó vô, vô, vozinho
sou o seu neto de finais do século XX e tal e ele nada, correu comigo e por pouco não me
acertou o passo. Talvez tenha pensado que eu estava na reinação, coitado do
avô, o que é certo é que tive de me pôr a bulir para a máquina do tempo, não
fosse ele morrer ali mesmo e eu já não vir a nascer. Sim, porque estas coisas
das viagens no tempo têm muito que se lhe diga, disso estamos todos
perfeitamente conscientes e nem era necessário que o Tavares nos explicasse os riscos
tremendos em que incorreu. Tudo somado, é evidente que compensa bastante e eu
acho que o meu amigo nem se apercebeu verdadeiramente do enorme tesouro que
possui, poder viajar assim, a seu bel-prazer, para a frente e para trás no
tempo e verificar in loco tudo aquilo
que lemos nos livros ou que vemos nos filmes. De certa forma, o que mais me
agradava no dispositivo do Tavares era a total liberdade de nos podermos mover
a quatro dimensões, como se esse pequeno extra fosse o tónico que incrementava
a qualidade de vida a níveis celestiais. E eu punha-me a refletir sobre toda
esta problemática enquanto ouvíamos o Tavares contar-nos como lhe vieram umas
ganas enormes de ver o futuro. Repara, tu vais ao passado e, tipo, é deveras
fixola constatar como as coisas eram e é sempre surpreendente ver como tudo é
diferente do que tinhas imaginado, explica-nos ele, quer dizer estás a ver
Jesus Cristo por exemplo, bem Jesus não tinha nada barba, de facto era careca e
um bocado anão o que bem vistas as coisas é praticamente inacreditável tendo em
linha de conta que se tratava de um judeu, mas tinha um carisma mesmo porreiro
e, como não tínhamos mais que fazer, andávamos todos atrás dele e tudo, mas
aquela cena com Lázaro, bem, tenho a certeza que vocês até se passavam se
percebessem quão marada toda aquela cena tinha sido. E sabem que mais, vejam lá
se engolem esta, estão a ver o D. Afonso Henriques em cima do cavalo armado até
aos dentes e tão possante quanto um conquistador deve ser? O Tavares esteve em
Guimarães no século XII e inteirou-se de toda a história: o nosso primeiro rei
era afinal uma dona de casa muito feia e com bigode na venta, chamada Idalina,
que enfardava todos os dias do bêbado do marido até que uma altura lhe chegou a
mostarda ao nariz e levou tudo à frente. O que se seguiu também levou muita
volta, mas está bom de ver que a história peca por falta de estilo e não há
país nenhum no mundo que queira nascer dessa forma. Foi em boa hora, portanto,
que apareceu toda aquela descendência da sor dona Mumadona Dias a compor o
cenário. Mas a máquina do tempo, lá está, nisso não engana… Bem, o que eu quero
dizer é que ir ao passado dá um gozo bestial, mas não há nada que se compare a
uma boa rusga ao futuro. Em matéria de viagens no tempo, vão por mim, viajar
para o futuro tem para aí o triplo do valor de viajar para o passado. E estou a
avaliar por baixo! Viajar para o futuro é capaz de ser historicamente a coisa
mais espetacular que se pode fazer e é considerada uma arte ao nível, sei lá,
da pedra filosofal ou do elixir da eterna juventude ou uma coisa assim desse
género de coisas maradas para caraças. O Tavares explicou-nos que ao princípio
tinha muito medo de viajar para o futuro porque vamos supor que acabamos numa
época em que já estamos mortos, ou coisa que o valha, será que não vamos dar
dentro de um caixão ou, sei lá, acabar no interior de um cinerário e
transformados em poeira? A verdade é que eu pessoalmente nunca tinha pensado
nisso, mas aquilo fez-me cem por cento de sentido e, bem vistas as coisas, é algo
que ninguém no seu perfeito juízo deseja. Imaginemos que te metes na máquina do
tempo e acabas feito pó dentro de um vaso, como é que voltas atrás? Era cómico
imaginar o pó, tipo, a meter-se na maquineta. Bem vistas as coisas, é algo sem
pés nem cabeça. Claro que, pesados muito bem os prós e os contras, o Tavares seria
um cagarola de todo o tamanho se não fosse experimentando lentamente ir indo
para o futuro a ver no que dava e todos na turma, incluindo a professora de
Português, o incentivamos a avançar e ele acabou por nos fazer a vontade. Ato
contínuo, eu e os outros começamos a tirar quase vinte valores a todas as
disciplinas porque o nosso amigo trazia-nos os enunciados do futuro e não havia
nada que os professores pudessem fazer porque, afinal de contas, era tudo
perfeitamente legal e seria até injusto se nos anulassem as provas só porque o
Tavares era nosso amigo. Claro que o Tavares guardava o vinte apenas para ele e
enganava-nos de propósito numa ou outra alínea para que não houvesse inflação
de vintes. Nisso o nosso amigo sempre foi muito consciencioso e todos
concordamos que a tática era boa e não nos convinha agora desatarmos todos a
tirar a nota máxima e colocar a escola em sobressalto. A mim, pessoalmente, o
que mais me interessava, nem eram as notas altas nem nada disso, o que me
deixava verdadeiramente banzado era vislumbrar o futuro antes dele acontecer,
tipo como se eu fosse o pentavô do Tavares e pudesse imaginar o tatataraneto
quase duzentos anos depois, não só imaginar mas verdadeiramente visualizar e,
sei lá, interagir ou assim. A questão era mais subtil ainda, vejam se me conseguem
acompanhar, onde é que está armazenado o futuro?, de onde é que ele vem e será
que podemos ter acesso a todo o futuro de uma só vez?, todo o futuro de uma só
vez, que coisa mais marada! A verdade é que quando nos pomos a pensar nestes
assuntos é extremamente fácil chegar a um ponto em que já não dizemos coisa com
coisa, como se estivéssemos com os copos e achássemos que éramos super
inteligentes ou coisa que o valha.
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