19.3.18

O viajante (parte 1)


Na primária organizaram uma visita de estudo e Ulisses foi a Lisboa. Do passeio pouco sobrou na memória, a não ser os pesadelos noturnos por causa da Branca de neve e os sete anões que foram ver ao cinema e a algazarra enorme que todos fizeram no autocarro quando iam para baixo. Da cidade grande, nada! Mas aquela viagem a Lisboa foi deveras importante, pois marcou o início da odisseia de Ulisses pelas capitais.


Quando estava no secundário o argumento foi avaliar o funcionamento de Almaraz e depois deram uma saltada a Madrid, e a viagem de finalistas, em vez da praia e da festa do costume, foi um passeio a Paris de autocarro que os pais aceitaram que todos fizessem. Torre Eiffel, Louvre, Quartier Latin, etc., em pouquíssimo tempo tinha mais uma capital no currículo, mas foi só na viagem de regresso, quando todos vinham murchos do cansaço, que se apercebeu de como já conhecia tanto e, ainda tão jovem, se podia gabar de já ter estado em três capitais europeias.

Mais tarde notou, não sem choque, que não era a viagem em si o que mais lhe agradava, mas sim quando depois contava a experiência por que passara aos que nunca viajavam. Era o máximo descrever aos familiares aqueles lugares de que todos ouviam falar, mas que apenas conheciam de ver na televisão, e ele sentia-se importante por ser um moço viajado.

Na Universidade foi de Erasmus para a Holanda, três meses de pouco estudo e muito dinheiro investido em comboios e solas de sapatos. Aproveitou e conheceu Amesterdão, Bruxelas, Berlim, Copenhaga, Luxemburgo, Praga, Viena, Budapeste, Berna, Vaduz, Ljubljana, Bratislava, Varsóvia, Zagreb e Londres. Conhecer é capaz de ser um pouco exagerado, porque às vezes mal dava tempo para pôr um pé fora da estação, entrar num minimercado, traçar uma bucha e um pacote de leite achocolatado, sentir o ambiente, cheirar o ar e voltar a abalar. Num assomo de loucura embarcou para Reiquiavique e voltou no dia seguinte, maluco da cabeça por não ter visto o pôr-do-sol, e com a pele gretada do frio polar para que não ia preparado. Claro que havia localidades de que era fundamental trazer um atestado de presença, como daquela vez em que teve de esgalhar da estação até ao Manneken Pis só para tirar uma foto, ou quando subiu, a deitar os bofes, a escadaria da Siegessäule para obter uma panorâmica de Berlim. Isso era uma prova irrefutável de presença, um autorretrato com a landmark em pano de fundo.


to be continued...

Sem comentários:

Enviar um comentário