21.3.18

O viajante (parte 3)

Como não se podia dar ao luxo de ter grandes despesas, apesar de ser um fulano bem parecido todas as moças com que ia namoriscando acabavam por lhe dar com os pés, porque não havia ninguém mais forreta do que ele! Todas se encantavam com as aventuras que ele contava e os lugares onde tinha estado, mas ao fim de algum tempo a pagarem as saídas não admirava que voassem para longe!
Um dia acordou e deu-se conta de que, mais coisa menos coisa, a Europa estava vista e era necessário alongar o passo e conhecer capitais de outros continentes. Os problemas que se colocavam eram dois: a planificação da empreitada e o dinheiro para financiar a coisa.


Arranjou um biscate como segurança num armazém, quatro horas diárias das oito à meia-noite e começou a correr de manhã cedo, antes de pegar ao serviço, para ficar em forma. Um ano, na Páscoa, pegou na bicicleta e fez o Caminho de Santiago, só para ver como se sentia. Sentiu-se bem: ir e vir num fim de semana sem ficar com as pernas bambas!

No verão mandou-se para Nova Iorque, comprou uma bicicleta num garagista e meteu-se ao caminho até Washington, onde dormiu num banco de jardim coberto pelo ar puro da noite! Casa Branca, Capitólio, memoriais, umas voltas pela cidade e estava o assunto arrumado. Não se esqueceu do autorretrato nos sítios interessantes, mas ao meio-dia estava despachado e abalou, a pedal, para a Cidade do México.


Vários dias depois, com algumas boleias pelo caminho e uns trajetos de comboio, meteu na cabeça que queria uma foto no Grand Canyon e foi até lá. Na Strip de Vegas fotografou-se nos néons, mas não chegou a entrar nos casinos porque teve medo de acabar na miséria. Depois atravessou o deserto para se fotografar com o letreiro de Hollywood em pano de fundo e sempre a pedalar desceu em direção à fronteira mexicana. Tinha sido uma excentricidade, mas atravessara a grande nação americana de costa a costa e o feito valia-lhe uma entrada direta na galeria dos mais ilustres viajantes do mundo. Jack Kerouac não fez melhor! Em Tijuana quase lhe rebentaram o canastro para lhe roubar a bicla e os acepipes, mas a coisa deu uma volta engraçada porque apareceu um grupo rival e os mexicanos mataram-se uns aos outros à facada e aos tiros e, no final, só sobrou ele. Como teve o bom-senso de revistar os cadáveres, acabou com uns pesos a mais no bolso e deu-se ao luxo de trocar a pedaleira por uma acelera. Os tacos e os nachos é que quase deitavam tudo a perder e foi semidesidratado pela diarreia que se apresentou na grande praça da Constituição da antiga capital Azteca. Despachou-se e abalou rumo a sul. Numa curva da estrada nasceu-lhe uma furgoneta em contramão, levou uma trombada e escangalhou a motoreta. Antes que os índios tivessem tempo de arrear a ver o estrago pôs-se a pé, achou-se ok, e deitou a correr por ali a baixo. 

to be continued...

Sem comentários:

Enviar um comentário