23.3.18

O viajante (parte 5)

Quando chegou cá era um homem feliz: Ulisses o conquistador da América! Fizera o roteiro das capitais em quinze dias de jornada, mas tinha visto tudo e sobre tudo tinha mais do que legitimidade para opinar. O Canadá é um assombro, uma terra de cultura e delícias, as Honduras de cortar à faca e têm sorte se não vos fizerem às postas, se gostam de praia, não é bom pensarem em ir à Bolívia, e de Buenos Aires a Montevideu a melhor forma de passar é a nado, através do Río de la Plata, pois evitam engarrafamentos bastante enfadonhos!


Essa arte de viajar pelo mundo continuava a ter o seu lado desconfortável e até assustador e, bem vistas as coisas, antes de sair pensava sempre que ficava bem mais tranquilo e sossegado em casa, mas depois de meter pés ao caminho só se preocupava em não perder nada do manancial de conhecimentos a que estaria exposto, e com viver sofregamente as aventuras infinitas de que depois podia lançar mão numa mesa de conversa. Quando regressou da América tratou logo de explanar todo o seu poder de fogo perante os amigos (que os tinha e muitos), mas foi com horror que verificou que ninguém queria saber de Georgetown ou de Assunção e todos falavam de Havana ou de Santo Domingo, sítios onde, lamentavelmente, se esquecera de ir!  Claro que havia sempre a hipótese de forjar uma montagem com um retrato enquadrado numa paisagem retirada da net, mas, por Deus, Cuba é uma ilha cercada de tubarões e nem ele teria o arrojo de enfiar a patranha de que tinha nadado até lá. Demais a mais, pensava, se não queremos perder o prestígio que nos deu tanto trabalho a conquistar não podemos correr o risco de nos apanharem em falta de uma forma tão saloia! Um Cidadão do Mundo tem que ser, acima de tudo, impecavelmente honesto. Faria um cruzeiro nas Caraíbas noutra altura.


Entretanto, deu com as redes sociais e investiu imenso tempo a arregimentar amigos virtuais para colocarem gostos nas fotos que ia publicando. Criou um blogue onde mandava todo o tipo de larachas sobre viagens, dava conselhos a quem os pedia e encheu a Internet de fotografias onde aparecia em locais emblemáticos. Foi-se tornando famoso, o tuga que correu a América em meia dúzia de dias, um Ulisses homérico dos tempos modernos, um viajante intrépido e destemido, um migrante temporário e voluntário, uma vítima da incapacidade do homem para estar quieto, enfim um profundo conhecedor do mundo e das suas nuances! 

to be continued...

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