No fim do curso, uma porcaria de
curso que não servia para nada, era lógico reconhecer que o que acabara por se
tornar relevante era a coleção de capitais por onde passara e o homem viajado
em que se havia tornado. Quando um conhecido se punha a falar em ir a algum
lado não perdia tempo e dizia logo “já lá estive” ou “conheço muito bem” e dava
sempre conselhos do género “em Amesterdão tens que ter cuidado com os
carteiristas, porque os holandeses andam sempre charrados e são uns larápios
dos diabos”, ou “não te aconselho a andar na London Eye porque sai-se de lá com
vontade de vomitar”, ou ainda “definitivamente Praga vale muito mais a pena do
que Budapeste, mas o que te aconselho a fazer é ires à Croácia porque é um país
muito mais autêntico”!
Depois contava peripécias como daquela vez em que estava
tão bem bebido que se pôs aos berros em português com um polaco em Varsóvia a
ver se arranjava trocos para o elétrico, e o rapaz desatou a fugir cheio de
medo daquela linguagem estrangeira, ou quando encontrou uma pandeireta num
canto do jardim e se pôs a cantarolar na Stephenplatz e os turistas lhe
encheram um saco de moedas. Curiosamente, era quando as coisas corriam mal que
se ganhavam as melhores histórias para contar: um dia, alugou alhures um quarto
numa casa velha e veio um temporal tão grande que o barraco foi pelo ar, e ele
teve que se firmar às grades da cama até que a calma voltasse; doutra vez, ia
todo lampeiro e chispado a conduzir pela direita do aeroporto para o centro de
Dublin e, bem, é fácil imaginar os sustos por que passou! Que lorpa! No momento
era um caguefe infernal, mas depois quando podia encher o peito e contar como
se tinha desenvencilhado de forma tão heroica, acabava com vontade de se meter
em sarilhos.
Ulisses arranjou emprego como
repositor num hipermercado e passava a vida a esmifrar para garantir que havia
dinheiro para colecionar capitais. Metia-lhe um medo tremendo andar de avião e
era com uma preocupação enorme que encarava cada nova saída, mas fazia questão
de continuar a construir um currículo de viajante, um conhecedor in loco de todos os locais mundiais de
que se ouve falar, mas apenas uns quantos privilegiados conhecem realmente. Com
um ordenado pequeno era-lhe difícil fazer mais do que uma surtida anual, pelo
que rapidamente se apercebeu de que jamais conseguiria atingir o ritmo próprio
dos grandes viajantes, daqueles que se podiam gabar de ser “cidadãos do mundo”!
Mesmo assim foi a Roma, Atenas e um ano, com enorme sacrifício, não só porque o
preço era alto, mas também por causa do medo que tinha da água, meteu-se num
cruzeiro (os enjoos quase deram cabo dele) e conheceu, de uma assentada, todas
as capitais nórdicas. Em Roma foi-se benzer, deu com um casamento e acabou por
se infiltrar na boda a beira do Tibre. Mais tarde, contou como enfardou à larga
e os italianos não deram por nada. Aliás, conseguiu manter entretidos até os
noivos, enquanto atacava nos salgados, porque a verdade é que o italiano é muito
parecido com o português. Era esse tipo de histórias de que mais gostava,
embora na maior parte das vezes a história não tivesse sido mais do que
sugerida por um acontecimento vulgar. Em Roma foi benzer-se, ponto final!
to be continued...
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