14.1.17

3 filmes que valem a pena

Eu, Daniel Blake foi vencedor da Palma de Ouro em Cannes, facto que costuma garantir que não daremos por mal empregue o dinheiro investido no bilhete nem o tempo que gastamos a ver o filme. 

No prémio de 2016 não temos exceção à regra com esta obra de Ken Loach que nos dá conta do caso de Daniel Blake, um carpinteiro de Newcastle que, devido a um grave ataque cardíaco, se vê numa situação em que não pode trabalhar por estar em convalescência, mas também não consegue assegurar o subsídio de invalidez, a que teria direito, devido à burocracia da máquina gestora do sistema.



A história é efetivamente conhecida e não prima pela inovação, sendo que na cinematografia do ano passado há também A lei do mercado, belíssimo filme francês que nos fornece outro exemplo do balanço do indivíduo entre a sua dignidade pessoal, o seu sistema de crenças e valores pessoais, e as engrenagens da sociedade e a dinâmica do mercado. Tanto na história de Blake, como na de Thierry vemos como, no final, quiçá contra tudo aquilo que as nossas convenções julgariam necessário, o indivíduo é vergado e, mesmo que não ceda, acabará sempre derrotado!


Já Dan Blake é um cinquentão simples e bondoso, amigo de ajudar o próximo, com quem a vida não foi especialmente benigna mas que enfrentou os desafios com abnegada coragem e sem queixumes mas que se vê, enfim, a braços com problemas que só poderia resolver se o funcionalismo público não fosse tão quadrado! Trata-se da típica epopeia em circuito fechado e angustiante que Kafka tornou tão famosa e que nós sabemos desde o início que só pode acabar mal. 


Mas o filme tem duas nuances que nos parecem bastante relevantes e que lhe dão um tom muito particular: 
  1. uma carga emocional que o coloca bem acima da mero relato das atribulações do protagonista e que nos prende desde o início àquelas histórias de vida, levando-nos a sair do cinema com um certo aperto no peito que, não sendo agradável, acaba por ser marcante: ficar no desemprego não acontece a todos, mas termos um problema de saúde incapacitante, I'm afraid, é certamente uma questão de tempo; 
  2. um alerta muito vincado para as enormes fragilidades de um sistema social europeu que coloca o ênfase num assistencialismo que, incrivelmente, se tornou impraticável numa altura da história da humanidade em que se atingiram máximos de riqueza e de produtividade. Que humanidade é esta que produziu tão grande riqueza, capaz de tornar a vida de todos muito mais fácil, mas que depois não consegue lidar com as assimetrias de distribuição, colocando tantos seres humanos numa situação tenebrosa de dependência e pobreza? 
Infelizmente, saímos do filme sem esperança de que o futuro seja melhor e, mesmo com a tecnologia mais avançada, capaz de tornar o nosso esforço diário menos doloroso, tudo o que será conseguido é que se aumente ainda mais essas assimetrias e se acabe por tornar a vida da maioria ainda mais difícil!

Mas mesmo assim, no drama fatal destes dois heróis exemplares dos tempos que correm, nada parece ser tão definitivo como a trágica existência de Lee Chandler, a personagem que Casey Affleck corporiza com inesperada competência em Manchester by the sea, o único filme do trio que estreou no nosso país no circuito comercial (mais um sinal dos tempos) e talvez o menos robusto dos três no que toca a enfrentar a degradação da nossa memória. O filme vive muito da forma como a história nos é apresentada, e da qualidade da interpretação do protagonista. De facto, já vamos a mais de meio da visualização quando finalmente ficamos a saber que diabo sucedeu de tão grave para que o ambiente seja tão pesado e triste, e quando os motivos nos são finalmente revelados é um choque verificar como, por muito que nos possamos contorcer, há acontecimentos (raros?) de tal forma insanáveis que melhor seria jamais termos existido! Trata-se de um dramalhão que cairá no esquecimento rapidamente, e veremos nas tardes domingueiras da tv em pouco tempo (nesse sentido é bem capaz de ser um bom candidato aos óscares), mas que, enquanto cinema sério, que vai além de entreter e nos confronta com as possibilidades infinitamente dramáticas da vida de cada um de nós, colocando-as em perspetiva, cumpre um papel que aconselha que lhe dediquemos alguma atenção.

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