Mergulhar na alma soviética, ouvindo histórias da grande
História, é suportável enquanto somos simples voyeurs desse passado. O problema é quando o passado parece
confundir-se com o presente e anunciar um futuro sem retorno, não o do vizinho,
mas o nosso futuro. Fica um arrepio, uma sensação de déjà-vu….
No Ocidente, Gorbatchov é visto como um herói, o homem que
libertou a União Soviética, que acabou com a Guerra Fria e, por oposição, Putin
é o monstro, o novo Estaline. Mas o que é desconcertante é perceber que os
antigos soviéticos lamentam o fim de um sonho e da esperança, que acusam
Gorbatchov, Boris Ieltsin e outros governantes da Perestroika de lhes ter dado a liberdade sem a felicidade que fora
prometida. O que fazer com a liberdade quando não sabemos o que fazer com ela,
quando ser livre é viver sem orgulho, sem dignidade, sem emprego, sem valores
em que acreditar? O que fazer quando a infelicidade está na própria alma?
Hoje, antigos soviéticos e jovens russos estão desencantados
com a nova Rússia, com o capitalismo que não preencheu o vazio que ficou depois
do Comunismo. A liberdade que prometia felicidade, afinal, trouxe saudades de
um tempo de glória e orgulho numa Pátria temida no mundo inteiro e em que o
homem soviético se sabia um ser superior. Por isso repudiam o capitalismo,
veneram Putin, revendo nele um novo Estaline, capaz de devolver à Rússia a sua
glória.
Não deixo de ver semelhanças com algumas vozes portuguesas
daqueles que viveram durante o Estado Novo e que, apesar de terem conhecido a
miséria, alimentam a saudade de tempos em que não havia os muito ricos e os
muito pobres. Contam fome, doença, trabalho de sol a sol, sobrevivência, medo, mas
também lembram solidariedade e igualdade no sofrimento e nas privações, lembram
a luta do dia a dia, lembram a fé consoladora num Deus que os punha à prova, sem
os castigar.
Vivências de homens e mulheres que cresceram no horror, em
regimes totalitários e a quem foi negada a liberdade. No entanto, o mais
surpreendente é a capacidade do homem em sobreviver, sedento sempre de acreditar
em algo que faça sentido, de preencher a vida com uma utopia, uma religião, uma
paixão … e alguém (Marine Le Pen? Putin? Donald Trump?) lhes promete esse
sonho… e a História repete-se… Subida do populismo…
Terá chegado o fim do homem soviético?
Cristina Gomes
Sem comentários:
Enviar um comentário