3.2.18

O nosso estilo (parte 2)

Ninguém conhece o futuro, nem sequer os astrólogos. Talvez a única coisa que possamos dar por adquirido é a morte, ainda que mesmo essa Agostinho da Silva pusesse em dúvida, evidentemente, antes de a ter experimentado, pois argumentava que apenas tínhamos conhecimento de que se tratava de um fenómeno que ia sucedendo a gente avulsa, mas nunca nos acontecera a nós, pelo que não podia ser um dado adquirido. Claro que AS era um excelente filósofo e todos nós compreendemos que mesmo depois de tanta matança nos milhares de milénios do que vai de vida, que um dia nos suceda a nós parece de todo injusto e inacreditável, mas eu, que sou um homem de ciências, gosto mais de ir por aqui. Mas isto não é um texto sobre a morte, assunto em que gente bem mais encartada do que eu terá coisas mais deliciosas a dizer, mas sobre o futuro, temática em que, temo bem, todos sabemos o mesmo: nada!



Claro que hoje em dia estamos todos prontos para opinar sobre o que vai suceder hoje, amanhã ou daqui por 100 anos e não há carestia de bruxos na internet ou na televisão a dizer como vai ser, sendo que o efeito prático da coisa foi apenas ter tornado tudo bem mais complicado e imprevisível. Problema nenhum, no entanto: saber o futuro, nem que fosse um niquinho dele, equivaleria a jogar um jogo de computador cheio de cheats e não demoraria muito tempo a termos que pôr cobro à pantomina com um tiro nas têmporas ou remédio de escaravelho. Ninguém verdadeiramente quer saber o futuro, embora achemos que sim! É a nostalgia do futuro que dá sabor ao presente e é a consciência do que poderíamos ter feito que tornará inevitavelmente o futuro desenxabido. That's life!


O que nos mete verdadeiramente gosma é ver o futuro pelo retrovisor, é ver o passado desde o futuro, e constatar como quando o futuro era presente podíamos ter decidido de uma determinada forma que supostamente nos teria arranjado a vida para sempre e evitado um sem-número de chatices. Não tenho dúvidas de que esse é talvez o maior desígnio do ser humano, fazer no presente o que for mais sensato em prol de um futuro de poucos arrependimentos. É verdade que há muita gente que segue uma linha de tempo aleatória e nem dá pela vida acontecer, mas se estamos conscientes todos gostamos de acertar mais vezes do que erramos.  A mim o que me parece é que muitos de nós investimos demasiado no lado errado da coisa para atingir esse objetivo: tentamos imaginar como vai ser o futuro e ouvimos uma data de entendidos sobre a matéria e vemos muitos programas informativos aqui e ali. Coisas que não ensinam nada sobre o futuro (e muitas nem sobre o presente ou o passado) porque, já sabem, o futuro ninguém conhece, nem sequer os astrólogos! Essa parece-me a mim (mas posso estar errado) é a forma tola de tratar de evitar que o futuro traga demasiados arrependimentos e dissabores. A mim, ninguém me tira da cabeça de há muito tempo a esta parte, que a única coisa que podemos fazer sobre o futuro está no presente imediato. Explico-me: não é pensar no futuro; é agir. O presente está aqui e agora e não precisa de opiniões, historiadores, adivinhos e astrólogos, mas apenas de nós.


No que à arte desta casa diz respeito, é evidente que se pode sempre raciocinar sobre o futuro como tantos de nós o fazem quando montam um negócio ou enveredam por um determinado ramo de atividade. Há negócios que quando olhamos para o passado imaginamos que eram evidentes e não teria sido preciso ser grande astrólogo para imaginar que seriam casos de sucesso. Estive a um clique de comprar Amazon a 50 USD ou Google a menos de 100, dois casos que pareciam mais do que evidentes, mas a verdade é que quantas lojas online cotadas em bolsa faliram e que aconteceu à Yahoo ou à Nokia? Podíamos ter comprado bitcoins a 2 cêntimos em 2010 e até os andávamos a estudar pelo que teria sido fácil e hoje estávamos bem, mas não o fizemos (a propósito, deixem-se só comentar como acho hilariante que tanta gente que só tem investido em depósitos a prazo, agora apareça com carteiras de cryptomoedas: pode ser que lhes esteja reservado um futuro de prosperidade - mas nem os astrólogos poderão dizer - mas prefiro pensar que se estejam a exibir!). Comprar Coca-Cola na década de 50 como fez Warren Buffett e deixar ficar para sempre foi um feito, mas quantos negócios de beberagens faliram? Comprar BES há 10 anos parecia um depósito a prazo com rentabilidade alta e bons dividendos, mas vejam o que aconteceu! 


Em última instância, meus amigos, só o presente conta e as expetativas relativamente ao futuro valem sempre no presente que é um instante no tempo. É batota olhar para o passado e achar que houve génio numa decisão que era evidente porque ela só se tornou verdadeiramente evidente porque a vimos olhando para trás. No presente decidimos com os dados que temos e, infelizmente, os dados talvez nos ajudem a antecipar apenas o futuro no curtíssimo prazo.

Nos mercados, como já dissemos, há muitas variáveis que concorrem para o preço de um dado ativo, sendo que, no longo prazo, é o andamento do negócio, a procura pelo ramo de atividade, o controlo da dívida e a subida dos lucros que farão subir os valores. Isso é possível prever. Se o lucro e os ativos subirem, com a dívida controlada, e o negócio prosperar haverá mais dividendos (rendas) para distribuir) e o ativo terá procura o que naturalmente fará subir o preço. Também é possível olhar para os gráficos e identificar padrões. Os gráficos parecem magia negra e uma coisa meio absurda, mas a verdade é que fornecem informações valiosas pelo motivo simples de que a maioria dos atores do mercado os segue e age de acordo com as informações neles contidas. 


Há, portanto, uma espécie de bola de cristal nos mercados que nos pode ajudar de certa forma a antecipar o futuro! Mas essa astrologia só funciona se a seguirmos sem hesitações. Na bolsa podemos negociar ao segundo, mas não o devemos fazer porque a maior parte dos movimentos resultam da normal tensão entre comprador e vendedor e não tem nenhum significado. Nem devemos negociar ao minuto nem sequer todos os dias: a espuma dos dias não nos deve impressionar. Mas é fundamental que estejamos atentos e sejamos suficientemente flexíveis para mudar de opinião rapidamente quando percebemos que o mercado está a ir contra nós e deixou de nos dar razão. 

É esse o nosso estilo. 

Não importam para nada as nossas convicções de longo prazo; não nos interessa ter razão, nem estamos num campeonato com ninguém. Tudo o que interessa é preservar o lucro e a sanidade; não há preço que pague encostar a cabeça à almofada à noite e dormir sem medo (de perder demasiado, de estar errado, etc.). Em última instância, o mercado estará lá no dia seguinte e poderemos voltar a comprar, nem que seja mais caro: é o preço a pagar por nos mantermos na luta. Que, no final de contas os ganhos sejam maiores que as perdas é-nos suficiente. Tudo o resto está fora do nosso controlo e o futuro (a longo prazo) nem a Deus pertence!


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