14.2.18

Quatro dimensões (parte 3)

A verdade é que eu pessoalmente nunca tinha pensado nisso, mas aquilo fez-me cem por cento de sentido e, bem vistas as coisas, é algo que ninguém no seu perfeito juízo deseja. Imaginemos que te metes na máquina do tempo e acabas feito pó dentro de um vaso, como é que voltas atrás? Era cómico imaginar o pó, tipo, a meter-se na maquineta. Bem vistas as coisas, é algo sem pés nem cabeça.

Claro que, pesados muito bem os prós e os contras, o Tavares seria um cagarola de todo o tamanho se não fosse experimentando lentamente ir indo para o futuro a ver no que dava e todos na turma, incluindo a professora de Português, o incentivamos a avançar e ele acabou por nos fazer a vontade. 


Ato contínuo, eu e os outros começamos a tirar quase vinte valores a todas as disciplinas porque o nosso amigo trazia-nos os enunciados do futuro e não havia nada que os professores pudessem fazer porque, afinal de contas, era tudo perfeitamente legal e seria até injusto se nos anulassem as provas só porque o Tavares era nosso amigo. Claro que o Tavares guardava o vinte apenas para ele e enganava-nos de propósito numa ou outra alínea para que não houvesse inflação de vintes. Nisso o nosso amigo sempre foi muito consciencioso e todos concordamos que a tática era boa e não nos convinha agora desatarmos todos a tirar a nota máxima e colocar a escola em sobressalto. 

A mim, pessoalmente, o que mais me interessava, nem eram as notas altas nem nada disso, o que me deixava verdadeiramente banzado era vislumbrar o futuro antes dele acontecer, tipo como se eu fosse o pentavô do Tavares e pudesse imaginar o tatataraneto quase duzentos anos depois, não só imaginar mas verdadeiramente visualizar e, sei lá, interagir ou assim. 

A questão era mais subtil ainda, vejam se me conseguem acompanhar, onde é que está armazenado o futuro?, de onde é que ele vem e será que podemos ter acesso a todo o futuro de uma só vez?, todo o futuro de uma só vez, que coisa mais marada! A verdade é que quando nos pomos a pensar nestes assuntos é extremamente fácil chegar a um ponto em que já não dizemos coisa com coisa, como se estivéssemos com os copos e achássemos que éramos super inteligentes ou coisa que o valha.

O Tavares foi indo às apalpadelas para o futuro e descobriu que o universo é matreiro como o diabo. Quando viajas para o futuro sais tipo do teu corpo e estás num universo paralelo ou numa cena marada do género, de maneira que podes ver tudo como se estivesses de fora, bem, podes interagir e assim, mas há dois tus, o tu que está lá e que envelhece até morrer e o tu que viaja. E o que acontece se os dois tus se encontrarem? É uma boa pergunta mas o Tavares não nos soube responder porque não se conseguiu encontrar com o Tavares original. 

Asseguro-vos que ficamos tão desiludidos quanto vocês por os Tavares não se terem encontrado, mas talvez algo na engrenagem universal impedisse situações com tal poder destrutivo. Enfim, um dia o Tavares chegou em lágrimas e todo fungoso e depois de muita luta acabou por se abrir connosco e contou-nos que tinha estado no seu próprio funeral, uma cerimónia singela, muitos ramos de flores, muito pranto, mas em duas horas tudo estava arrumado, adeus Tavares. O cómico da situação é que ao Tavares tinham feito o enterro sem cadáver, tipo, não havia nada dentro do caixão a não ser renda e pano barato porque parecia que um dia se tinha enfiado em casa e sumido.

to be continued...

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