A
verdade é que eu pessoalmente nunca tinha pensado nisso, mas aquilo fez-me cem
por cento de sentido e, bem vistas as coisas, é algo que ninguém no seu
perfeito juízo deseja. Imaginemos que te metes na máquina do tempo e acabas
feito pó dentro de um vaso, como é que voltas atrás? Era cómico imaginar o pó,
tipo, a meter-se na maquineta. Bem vistas as coisas, é algo sem pés nem cabeça.
Claro que, pesados muito bem os prós e os contras, o Tavares seria um cagarola
de todo o tamanho se não fosse experimentando lentamente ir indo para o futuro
a ver no que dava e todos na turma, incluindo a professora de Português, o
incentivamos a avançar e ele acabou por nos fazer a vontade.
Ato contínuo, eu e
os outros começamos a tirar quase vinte valores a todas as disciplinas porque o
nosso amigo trazia-nos os enunciados do futuro e não havia nada que os
professores pudessem fazer porque, afinal de contas, era tudo perfeitamente
legal e seria até injusto se nos anulassem as provas só porque o Tavares era
nosso amigo. Claro que o Tavares guardava o vinte apenas para ele e enganava-nos
de propósito numa ou outra alínea para que não houvesse inflação de vintes.
Nisso o nosso amigo sempre foi muito consciencioso e todos concordamos que a
tática era boa e não nos convinha agora desatarmos todos a tirar a nota máxima
e colocar a escola em sobressalto.
A mim, pessoalmente, o que mais me
interessava, nem eram as notas altas nem nada disso, o que me deixava
verdadeiramente banzado era vislumbrar o futuro antes dele acontecer, tipo como
se eu fosse o pentavô do Tavares e pudesse imaginar o tatataraneto quase
duzentos anos depois, não só imaginar mas verdadeiramente visualizar e, sei lá,
interagir ou assim.
A questão era mais subtil ainda, vejam se me conseguem acompanhar,
onde é que está armazenado o futuro?, de onde é que ele vem e será que podemos
ter acesso a todo o futuro de uma só vez?, todo o futuro de uma só vez, que
coisa mais marada! A verdade é que quando nos pomos a pensar nestes assuntos é
extremamente fácil chegar a um ponto em que já não dizemos coisa com coisa,
como se estivéssemos com os copos e achássemos que éramos super inteligentes ou
coisa que o valha.
O Tavares foi indo às apalpadelas para o futuro
e descobriu que o universo é matreiro como o diabo. Quando viajas para o futuro
sais tipo do teu corpo e estás num universo paralelo ou numa cena marada do
género, de maneira que podes ver tudo como se estivesses de fora, bem, podes
interagir e assim, mas há dois tus, o tu que está lá e que envelhece até morrer
e o tu que viaja. E o que acontece se os dois tus se encontrarem? É uma boa
pergunta mas o Tavares não nos soube responder porque não se conseguiu
encontrar com o Tavares original.
Asseguro-vos que ficamos tão desiludidos
quanto vocês por os Tavares não se terem encontrado, mas talvez algo na
engrenagem universal impedisse situações com tal poder destrutivo. Enfim, um
dia o Tavares chegou em lágrimas e todo fungoso e depois de muita luta acabou
por se abrir connosco e contou-nos que tinha estado no seu próprio funeral, uma
cerimónia singela, muitos ramos de flores, muito pranto, mas em duas horas tudo
estava arrumado, adeus Tavares. O cómico da situação é que ao Tavares tinham
feito o enterro sem cadáver, tipo, não havia nada dentro do caixão a não ser
renda e pano barato porque parecia que um dia se tinha enfiado em casa e
sumido.
to be continued...
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