Se leram
esta história até aqui, dou por adquirido que estejam mesmo interessados nisto
e que sejam suficientemente curiosos para saber como será o mundo daqui por
trinta milhões de anos, pelo que não me vou fazer de rogado nem nada que se
pareça e sirvo-vos esta informação em segunda mão, deixando registado desde já
que é a melhor que irão ter no vosso tempo de vida.
Pois bem, daqui por trinta
milhões de anos os humanos são tão parte do passado quanto os dinossáurios são
hoje. Na verdade, lamento muito mas extinguimo-nos no século XXI, diga-se que
depois de eu morrer sem imaginação nem talento, no seguimento da guerra
iniciada pela Coreia do Norte que lançará sem querer uma bomba avariada sobre
Seul. É inglório acabar assim bem sei, mas vai ser aquela cambada de patuscos
aduladores de líderes que nos vão fazer a folha.
O que se segue é uma natural guerra
nuclear em que toda a gente sem exceção passou das marcas. No final, tudo
terminou quando um cometa do tamanho da Espanha se atravessou no nosso caminho
e ninguém teve tempo de dizer ai.
Aqui confesso que desconfiei que o Tavares
nos estava a enfiar uma patranha ou que tinha sonhado ou coisa parecida porque
a história é pobre e um pouco requentada, mas o que veio a seguir acabou por
fazer tanto sentido que nos deixamos todos embalar e acreditamos como se
fossemos anjinhos.
Como sempre, há quem sobreviva ao armagedão.
Não sei se já
ouviram falar em tardígrados, também conhecidos como ursos d’agua? Não? Vão à net conhecê-los porque são eles que vão passar a mandar.
Daqui por 30 milhões
de anos só vai haver tardígrados nesta zona do universo e eles não têm nenhum
dos nossos defeitos, são módicos na despesa, não são burros nem têm a mania das
grandezas, têm dezenas de órgãos dos sentidos inovadores que lhes permitem
receber muito mais informação do universo, não têm alma, não avariam, não
pecam, não respiram, reproduzem-se com o pensamento, não vão ao facebook, são
todos bonitos e elegantes (evoluíram bastante desde que se tornaram dominantes)
e, pasme-se, não padecem desse inconveniente de morrer. Aqui benzi-me. Os
tardígrados não morrem! Que coisa mais baril… não morrer! Podem esbarrar-se as
vezes que quiserem ou levarem, tipo, com tijolos na cabeça, ou coisa que o
valha que não há maneira de os liquidar e nem os vírus ou cenas desse género
conseguem fazer farinha com eles. Numa palavra, os sacanas são indestrutíveis,
o que, convenhamos, é uma vantagem do caraças.
Claro que nós, os humanos, se
não morrêssemos íamo-nos aborrecer pela certa e tínhamos que arranjar uma
solução que nos desse cabo do canastro. Mas os tardígrados são feitos de outra
cepa, o que os tornará bestialmente racionais. E como é que eles cabem todos na
Terra, pergunta o povo ingénuo? Pois eu respondo com gosto ou, melhor ainda,
respondo com as palavras sábias do meu saudoso amigo Tavares, que os viu em
ação e com eles conviveu, os tardi são compactos e ocupam pouco espaço, não
precisam de vivendas acasteladas como nós e podem facilmente residir num buraco
no meio do deserto ou numa cova debaixo de um glaciar, havendo, inclusive,
aqueles que se pelam por um nicho dentro de um vulcão, de maneira que um
planeta que dê para sete mil milhões de pessoas alberga com facilidade uma mole
desses adoráveis seres. Para além disso, como são bastante inteligentes,
fizeram naves espaciais boas e puseram-se a viajar por tudo quanto é espaço
interestelar, acabando por colonizar incontáveis planetas, como se cada um
deles fosse, tipo, um Luke Skywalker ou assim, e quando se fartam de estar num determinado
sistema solar, o que é difícil de acontecer uma vez que não são nada
esquisitos, mudam de ares, de maneira que jamais se aborrecem.
Trata-se de
gente mesmo muito à frente, e o Tavares não foi nada meigo a pintar o nosso
atraso de vida com as cores negras da tristeza e, pela parte que me toca,
digo-vos que subscrevia de bom grado uma petição pública para liquidar os
humanos já hoje e arrepiar caminho.
O que se segue é que dois dias mais tarde o
nosso amigo veio ter connosco com o projeto de se abalançar mil milhões de anos
para o futuro e todos ficamos muito excitados com a envergadura da empreitada.
Que seria feito dos nossos admiráveis heróis futuristas? Que maravilhas nos
seriam reveladas? Despedi-me do meu amigo Tavares com o coração cheio de uma
salutar expetativa e vi-o entrar em casa e passados cinco minutos houve o clássico
clarão da engenhoca a operar que ainda pude ver através dos vidros das janelas.
Nunca mais o vimos, ao Tavares. Hoje, três meses depois do seu desaparecimento,
vamos enterrar o seu caixão sem corpo e prometo que estarei atento para ver se
o topo no cemitério.
Depois conto-vos.
to be finished!
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