Imaginem
que o vosso amigo Amílcar (bem sabemos que não têm um amigo chamado Amílcar,
mas vamos fazer de conta que têm) vos pede emprestado 1000 €, por um prazo de 5
anos, comprometendo-se a pagar 10% de juros ao ano: no final de cada ano
recebem 100€ do Amílcar, e ao completar o quinto ano irão receber 1100€.
Acontece
que, logo depois de receberem a segunda prestação de juros, vem a notícia de
que o Amílcar tem as contas lá de casa no vermelho e já nem paga luz, nem água
e corre o risco de ser despejado. Vocês ficam aflitos, a ver a vossa vida andar
para trás, com medo de que o Amílcar, não só deixe de pagar os juros, como
renegue o empréstimo.
É nesta
altura que entra em cena o Zeferino, que é um indivíduo que não se importa de
arriscar, desde que esteja em causa uma pechincha. O Zeferino propõe-se
comprar-vos a dívida do Amílcar, caso vocês estejam dispostos a fazer um
desconto. No fim, lá chegam a acordo e o Zeferino entrega-vos 500€, assumindo a
titularidade da dívida.
É evidente
que para vós, o negócio foi uma caca. Receberam 200€ de juros mais os 500€ que
o Zeferino pagou pela dívida: 700€, ao fim de 2 anos, em troca de terem dado
1000€. Perderam dinheiro mas, pelo menos, o negócio de venda da dívida
livrou-vos de perdas maiores. A dívida foi uma mercadoria que puderam
transacionar.
Para o Zeferino,
se as coisas correrem bem, pode ser um negócio muito interessante. Paga 500€ à
cabeça, mas pode receber 1300€ (300€ de juros mais 1000€ da liquidação).
Incrivelmente, uma taxa de juro inicial de 10% transformou-se numa taxa anual
de 53%. A desvalorização da dívida do Amílcar, por ele estar a passar por
dificuldades, traduziu-se num aumento da taxa de juro dos seus títulos. Da
próxima vez que o Amílcar tiver que pedir emprestado, já é bem capaz de não
chegar 10% do empréstimo para o serviço de dívida.
Mas é
possível que a coisa ainda sofra um outro volte-face. Imaginem que, ao fim de
mais um ano, o Amílcar ganha o euromilhões e resolve liquidar todas as dívidas
de uma só vez. O Zeferino receberá 1100€ para liquidar uma dívida de 500€. A
taxa de juro passou para 120% ao ano. Grande negócio!
Na
verdade, pois, a dívida sempre foi uma mercadoria transacionável e sujeita às
regras da convivência em sociedade. O que acabou por tornar o processo insólito
foi a possibilidade de a dívida, por si só, permitir fazer dinheiro. Mas disso
falaremos no próximo episódio.
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