Apesar de os empréstimos que
nós fazemos poderem ser considerados bens com valor intrínseco, que podemos transacionar
e possuem valor relativo, ninguém no seu perfeito juízo vai fazer empréstimos
só para ter mercadoria dentro de loja e poder realizar capital com vendas. É
que os empréstimos implicam que nós abdiquemos de uma parte da nossa riqueza e,
apesar de as dívidas trazerem o bónus dos juros que acordamos, a não ser que
incorramos no pecado da usura, é altamente improvável que uma dívida valorize
ao ponto de a atividade de prestamista ser interessante. No fundo, um
empréstimo é a troca direta de tempo por juros: abdicamos de um bem no imediato,
em troca de um suplemento para o mesmo bem ao fim de algum tempo. No final,
acaba por ser uma espécie de jogo de soma nula.
Mas agora vejam a atividade
de prestamista do ponto de vista da Banca. Quando um banco empresta dinheiro
tudo o que faz é colocar um número, que representa o tal recibo do antigo
banqueiro/ourives, na conta bancária do cliente. Com esse número, o cliente
pode fazer os pagamentos que entender, mas nunca haverá verdadeiro valor a sair
do sistema bancário porque, em princípio, nunca sucederá que todos os
possuidores de “recibos” emitidos pelo banco (números em contas bancárias,
notas ou cheques) acudam a reclamar pelo valor que eles representam. Em troca
da escrita do número na conta bancária do cliente, o banco recebe uma hipoteca
que assegura o retorno do recibo ao banco sob a forma de efetivo valor (porque
sairá do trabalho e do engenho do cliente), acrescentado do juro acertado, com
a garantia de que, caso ocorra incumprimento, passará para a posse do banco um
bem de valor fidedigno que substitui a palavra do cliente.
Portanto, ao contrário do
que se passa com cada um de nós, o banco não tem que abdicar de nada para poder
emprestar. E é aqui que está o toque de Midas da banca. Os empréstimos são
verdadeira mercadoria que acrescentam valor real ao que existe no cofre (uma
vez que são feitos sem que exista saída de valor do cofre, ao contrário do que
sucede com cada um de nós). Na banca, os empréstimos não são de soma nula.
Vamos supor um banco (um
banquinho) que tem valores no cofre correspondentes a 1000€ de capital. Como, em
princípio, ninguém vem reclamar esses valores (porque os clientes passam a vida
a trocar entre si os recibos que o banco emitiu), o banco pode emprestar esses
1000€ e cobrar juros sobre eles.
Mas não faz exatamente isso.
Em primeiro lugar, é
necessário garantir alguma margem de segurança (reservas), porque é sempre
possível que alguns clientes reclamem os valores depositados! Digamos que é
sensato reter 10% do valor do cofre. Dessa forma, o nosso banquinho pode dispor
de 900€. Agora imaginem que um cliente se apresenta para solicitar um
empréstimo nesse valor. O banco inscreve na conta bancária do cliente os 900€ e
recebe em troca uma hipoteca que, em princípio, terá o mesmo valor, e que é
colocada no cofre, passando a dispor de valores de 1900€. Agora, já pode fazer
um novo empréstimo, nos mesmos moldes, de 1710€, que levará o valor no cofre
para 3610€ e lhe permitirá fazer outro empréstimo de 3249€ e assim
sucessivamente. No final, o valor inicial de 1000€ vai permitir ao banco fazer
empréstimos de 10000€ mantendo as reservas de 10%, sendo o valor criado pelas
hipotecas que, por sua vez, são cobertas pelo trabalho do cliente ou pelo bem
dado como garantia. O próprio Senhor não faria milagre maior!
Portanto, quantos mais
empréstimos o banco fizer, mais valoriza o cofre, se estiver cotado em Bolsa
mais as suas ações valorizam e mais dinheiro ganha e dá a ganhar! E ainda é
possível fazer alguns truques como, por exemplo, sobreavaliar as hipotecas: se
o empréstimo de 900€ for avaliado como 1000€, o banco poderá dispor logo de
mais dinheiro para emprestar. No meio disto tudo, é evidente que a taxa de juro
cobrada no empréstimo pode ser bastante inferior ao que seria normal. Se vocês
têm 1000€ e só podem emprestar esses 1000€ a taxa de juro é primordial: entre 5
e 10% há uma diferença relevante (50 ou 100€ por ano). Mas, se com esses 1000€
podem emprestar 10000€, passam a obter o mesmo rendimento com taxas de 0,5 ou
1%. E depois a concorrência encarregar-se-á de baixar ainda mais as taxas
cobradas.
Agora já sabem por que
motivo a casa de tanta gente foi avaliada como se tivesse sanitas de ouro e o
vosso spread, se for suficientemente
antigo, é tão baixo. E como é que houve tanta fartura e facilidade e mesmo
assim os bancos tiveram lucros fabulosos.
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