16.8.16

Histórias de dinheiro

História nº 1 (sexta parte)

O negócio que permitiu ao ourives mudar de vida começou, se bem se recordam, com a construção de um cofre-forte que caiu no goto dos vizinhos que começaram a arrendar espaço para guardar os seus valores. O ourives começou, portanto, por se tornar senhorio.

A atividade de prestamista, o primeiro passo para se converter num banqueiro, só se pôde iniciar quando o ourives deu conta de que uma parte do ouro permanecia muito tempo no cofre sem ser levantado pelos seus donos, e podia ser emprestado a quem dele necessitasse, dando-lhe o direito a receber juros (com ouro que, no fundo, não possuía). Por isso, a primeira tarefa do banqueiro foi calcular a probabilidade de uma determinada quantidade de ouro ser reclamada pelos legítimos donos enquanto decorresse o prazo de empréstimo a terceiros. Se essa probabilidade fosse, digamos, 50%, isso significava que o banqueiro só poderia dispor de metade das reservas que se encontram guardadas no cofre para emprestar e arrecadar os juros, sem correr o risco de ter de dizer a algum depositante que não possuía o ouro que lhe foi confiado (o que, evidentemente, seria a desgraça do banco).

Com a introdução do papel-moeda, a quantidade de ouro que permanecia intocada no banco subiu em flecha, o que deu azo a que o nosso banqueiro dispusesse de uma percentagem maior para emprestar, aumentando os proveitos da sua atividade. No limite chegou-se ao ponto em que as reservas do banco deveriam corresponder a apenas 10% do valor emprestado (atualmente, são estes rácios de capital que têm vindo, sistematicamente a ter que ser reforçados).

Para o banqueiro, os problemas começaram quando as vantagens do negócio atraíram competidores, e obrigaram o banco a distribuir pelos depositantes parte dos juros que recebia dos devedores, diminuindo o resultado líquido. No final, o negócio puro da banca acabaria por até nem ser muito atrativo, porque se tratava de receber juros sobre 90% do capital detido, contra o pagamento aos depositantes sobre 100% do montante depositado. E mesmo que houvesse um diferencial significativo entre as taxas cobradas e a taxas oferecidas, o lucro final nunca seria famoso porque havia todo o conjunto de despesas de funcionamento e o risco mais ou menos elevado da atividade de prestamista. Isto, para além do facto já apontado de a riqueza a depositar ser por natureza finita. Mesmo assim, é evidente que ninguém no seu perfeito juízo enjeitaria a possibilidade de deter tamanho poder quanto o que estaria ao dispor dos que dominavam grandes quantidades de capital. Nas mãos certas, a atividade bancária tinha um potencial que estava muito para além da tarefa de canalizar o dinheiro de quem o tinha para aqueles que dele precisavam.


E foi neste ponto que o nosso banqueiro ex-ourives teve a tal ideia epifanense que viria a tornar o negócio dos banqueiros verdadeiramente fabuloso: criar dinheiro a partir da dívida.

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