Para início de conversa digo-vos
já que esta foi uma das semanas bolsistas mais maradas de que me recordo.
Claro
que visto agora, da frente para trás, como de costume a lógica prevaleceu e a
insanidade foi apenas aparente, mas devia ser mais raro ver-se dinheiro tão
fácil de ganhar a passar-nos completamente ao lado porque nos mantemos
agarrados a uma ideia feita de que as coisas devem seguir um rumo pré-determinado.
Se leram o livro de Nassim Nicholas Taleb sobre acontecimentos raros e epifânicos,
leitura que vos recomendamos em absoluto, esta semana foi um autêntico cisne
negro: um daqueles momentos da nossa vida em que se dá uma rutura na maneira de
pensar que leva a mudanças impercetíveis mas decisivas no modo de atuar. E não
há nada mais capaz de produzir cisnes negros do que aquilo que mexe com a luta
para se ser bem-sucedido em algo que tenha um impacto verdadeiramente
mensurável e instantâneo.
Recapitulemos, então, para
memória futura.
Há uma semana atrás, nós aqui no
NeB, e não andarei longe da realidade se pensar que uma grande parte dos
investidores, dávamos praticamente por adquirido que havia dinheiro que era
preciso colocar no aumento de capital do BES, desde que o fizéssemos a preços
de uva mijona. Já não digo no aumento de capital do BANIF que é um banco quiçá com
problemas ainda maiores e que, ainda por cima, ia fazer um reverse stock split capaz de causar mossa de monta nas cotações. Mas
ao BES era mandatório comparecer, por exemplo, atacando nos direitos que, certamente,
iriam afundar para valores apetitosos porque havia muita gente graúda que dizia
à boca cheia que os queria ver pelas costas: afinal de contas, 900 milhões à
venda haviam de cumprir a sua função regulamentar de baixar o preço para o
ponto em que nós atacaríamos. Para além disso, os últimos aumentos de capital,
e não foram nada poucos, vieram acompanhados de saldos saborosos nos direitos e
nas ações. Lembro-me de que no último AC do BPI chegou-se ao ponto em que não
havia comprador para os direitos porque eles, pura e simplesmente, não valiam cheta
nenhuma: as ações do banco já estavam ao preço das novas ações – 50 cêntimos.
Portanto, a jogada era trigo limpo, farinha amparo. Com sorte comprávamos
direitos a 5 cêntimos e numa situação delirante podia dar-se o caso de um tanso
os passar para a nossa mão na casa dos 2 cêntimos, com o BES a 0,70€: uma
pechincha de fazer corar.
Mas a coisa, sabemo-lo agora deu
em barracada da grossa. Os direitos do BES e consequentemente as ações do banco
subiram compulsivamente e nós ficamos a ver. E o pior é que levaram na bolina o
BCP (que, caso o BES caísse, era rapaz para nos fazer a gentileza de derrapar
até aos mágicos 16 cêntimos). E ficamos a assistir da bancada no primeiro dia,
agarrados à ideia de que havia malucos à solta na Bolsa, e mesmo depois de os
direitos subirem 30% mantivemo-nos certos de que no dia seguinte os mercados
reconsiderariam e lá apareceria o carregamento de produto para vender que
haveria de nos oferecer os tão lógicos e aguardados saldos. O problema é que no
segundo dia, para perdão dos nossos pecados, o foguetório continuou e nós de
fora de mão estendida. Como dizem os brasileiros: cáralho! Alguma coisa não estava
bem no nosso modus operandi e, como
andamos em altura de avaliações e com testes para corrigir, houve marosca que
nos escapou e a maior parte do povo sabia mais do que nós. Entretanto, havia
outros títulos que já se tinham alegremente associado à festa e nós nada, numa
de vêm aí saldos do AC. A Mota ligou o turbo e foi a custo que lhe deitamos a
mão. Mesmo assim, não tivemos unhas e fomos cuspidos fora ao mínimo solavanco.
P. que pariu: dezasseis anos de mercados e ainda não sabemos ver um bom negócio
quando o sacana está todo sorridente a acenar-nos com plaquetes luminosas.
Diacho!
Foi só no final do segundo dia
que a luz iluminou as trevas e a notícia importante finalmente apareceu diante
dos nossos olhos: a malta graúda que se queria desfazer dos direitos do BES já
os tinha arrematado numa espécie de venda direta a investidores institucionais.
O tal carregamento de direitos para vender que estava previsto desabar no mercado
mandando as cotações para baixo, afinal nunca chegaria e nós íamos mesmo ficar
a chuchar no dedo. Mas nessa altura, já a notícia tinha bolor de tão requentada
que estava. E o pior é que esse tipo de anúncio muda tudo, como já tivemos
oportunidade de assinalar no desabafo que publicamos neste mesmo local no dia
em que o cisne negro levantou voo à frente dos nossos olhos. E essa mudança
requer um tempo para recalibrar circuitos cerebrais. A colocação dos direitos
de compra das novas ações por parte do BES diretamente junto de investidores e
não no mercado, só é possível se existir a perceção de que o negócio vai
compensar e o risco é reduzido. Nos AC anteriores (e diz o Expresso que a conta
já vai num total de 18 mil milhões de euros em 5 anos) os bancos andaram ao tio
tem lume para vender as novas ações, mas desta vez houve quem as quisesse
apanhar logo por atacado, e ficasse com elas como se não houvesse amanhã. Que
melhor sinal pode haver para a banca e até para o país?
A venda a institucionais muda completamente
o cenário. Os AC eram maus para as cotações porque estava criada a sensação de
que se tratava de dinheiro que se colocava num poço sem fundo, que aumentava o
número de ações no mercado, diluindo o valor de cada título, e que não serviam
para criar riqueza. Mas a forma rápida e certeira como correu esta manobra do
BES (e, porque não dizê-lo, do BANIF), criou a sensação, pelo menos no curto
prazo, de que desta vez o negócio vale mesmo a pena e que a banca pode
realmente dar a volta por cima a partir daqui. É que, mesmo do ponto de vista
do negócio em si, há, de facto, uma grande racionalidade em, neste momento em
que as falências e as constituições de reservas tendem a diminuir (atenção aos
testes de stress do BCE), ir ao
mercado levantar dinheiro para pôr a casa em ordem mais rapidamente. Curiosamente,
fica-se agora com a estranha sensação de que o ideal é que o próprio BCP
anuncie o aumento de capital tão cedo quanto possível, porque há dinheiro
disponível para entrar em força no negócio e é um disparate estar a pagar juros
altíssimos ao estado por aquela caca de CoCo ou lá o que é. Claro que o
montante que o BCP já chupou em aumentos de capital nos últimos anos, cerca de
3000 milhões, é quase tanto como o valor total do banco no fecho de sexta-feira
(3600 milhões), sem contar com a ajuda do estado, o que nos leva à sinistra conclusão
de que, por ora, o graveto foi-se pelo cano de esgoto. Mas isso, de momento,
não nos põe dinheiro no bolso. O que a semana nos mostrou é que os AC já não
são um bicho papão e transformaram-se numa oportunidade para entrar em títulos
que começam a estar bastante apetecíveis e na moda. Pela parte que nos toca,
aqui no NeB, não temos qualquer problema em mudar de campo. Afinal de contas, a
Bolsa, tal como a vida, não é sobre ideias feitas, mas sobre leitura,
compreensão e decisão, num misto de razão e emoção que tornam o produto final
tão excitante.
Para o início da semana que vem,
na impossibilidade de estarmos atentos a todas as nuances, deixamo-vos já algumas notas para que possam construir a
vossa análise:
·
Fecho de sexta-feira com algumas Bolsas
europeias e americanas em máximos históricos;
·
Início do mês de junho, em que está prevista a
tomada de decisão do BCE quanto a um possível início de um programa de
estímulos na Europa que combata o medo da deflação. O plano poderá passar por
um financiamento direto aos bancos, que ajude a baixar as taxas de juro
cobradas às PME, que poderão contratar mais gente, que terá mais dinheiro no
bolso para gastar o que ajudará os preços a subirem;
·
Ressaca da decisão do TC em Portugal. A decisão
era esperada e veremos se o Governo reage de forma que não deite gasolina na
fogueira. Por outro lado, sai da mente dos investidores o receio dessa decisão:
é menos um problema no horizonte;
·
Fim do aumento de capital do BES;
·
Aumento de capital no BANIF com procura 40%
superior à oferta. O banco anunciou que quer antecipar a liquidação do
empréstimo do estado. Por outro lado, ao contrário do que se esperava, o BANIF
não vai realizar o reverse stock split
já, mas apenas no final do ano. As novas
ações começam a negociar a 6 de junho.
·
PSI20 entalado entre uma curtíssima linha de
tendência ascendente e a linha de resistência horizontal na zona dos 7150
(imagem abaixo).