31.5.14

A semana que passou

Para início de conversa digo-vos já que esta foi uma das semanas bolsistas mais maradas de que me recordo. 

Claro que visto agora, da frente para trás, como de costume a lógica prevaleceu e a insanidade foi apenas aparente, mas devia ser mais raro ver-se dinheiro tão fácil de ganhar a passar-nos completamente ao lado porque nos mantemos agarrados a uma ideia feita de que as coisas devem seguir um rumo pré-determinado. Se leram o livro de Nassim Nicholas Taleb sobre acontecimentos raros e epifânicos, leitura que vos recomendamos em absoluto, esta semana foi um autêntico cisne negro: um daqueles momentos da nossa vida em que se dá uma rutura na maneira de pensar que leva a mudanças impercetíveis mas decisivas no modo de atuar. E não há nada mais capaz de produzir cisnes negros do que aquilo que mexe com a luta para se ser bem-sucedido em algo que tenha um impacto verdadeiramente mensurável e instantâneo.

Recapitulemos, então, para memória futura.

Há uma semana atrás, nós aqui no NeB, e não andarei longe da realidade se pensar que uma grande parte dos investidores, dávamos praticamente por adquirido que havia dinheiro que era preciso colocar no aumento de capital do BES, desde que o fizéssemos a preços de uva mijona. Já não digo no aumento de capital do BANIF que é um banco quiçá com problemas ainda maiores e que, ainda por cima, ia fazer um reverse stock split capaz de causar mossa de monta nas cotações. Mas ao BES era mandatório comparecer, por exemplo, atacando nos direitos que, certamente, iriam afundar para valores apetitosos porque havia muita gente graúda que dizia à boca cheia que os queria ver pelas costas: afinal de contas, 900 milhões à venda haviam de cumprir a sua função regulamentar de baixar o preço para o ponto em que nós atacaríamos. Para além disso, os últimos aumentos de capital, e não foram nada poucos, vieram acompanhados de saldos saborosos nos direitos e nas ações. Lembro-me de que no último AC do BPI chegou-se ao ponto em que não havia comprador para os direitos porque eles, pura e simplesmente, não valiam cheta nenhuma: as ações do banco já estavam ao preço das novas ações – 50 cêntimos. Portanto, a jogada era trigo limpo, farinha amparo. Com sorte comprávamos direitos a 5 cêntimos e numa situação delirante podia dar-se o caso de um tanso os passar para a nossa mão na casa dos 2 cêntimos, com o BES a 0,70€: uma pechincha de fazer corar.

Mas a coisa, sabemo-lo agora deu em barracada da grossa. Os direitos do BES e consequentemente as ações do banco subiram compulsivamente e nós ficamos a ver. E o pior é que levaram na bolina o BCP (que, caso o BES caísse, era rapaz para nos fazer a gentileza de derrapar até aos mágicos 16 cêntimos). E ficamos a assistir da bancada no primeiro dia, agarrados à ideia de que havia malucos à solta na Bolsa, e mesmo depois de os direitos subirem 30% mantivemo-nos certos de que no dia seguinte os mercados reconsiderariam e lá apareceria o carregamento de produto para vender que haveria de nos oferecer os tão lógicos e aguardados saldos. O problema é que no segundo dia, para perdão dos nossos pecados, o foguetório continuou e nós de fora de mão estendida. Como dizem os brasileiros: cáralho! Alguma coisa não estava bem no nosso modus operandi e, como andamos em altura de avaliações e com testes para corrigir, houve marosca que nos escapou e a maior parte do povo sabia mais do que nós. Entretanto, havia outros títulos que já se tinham alegremente associado à festa e nós nada, numa de vêm aí saldos do AC. A Mota ligou o turbo e foi a custo que lhe deitamos a mão. Mesmo assim, não tivemos unhas e fomos cuspidos fora ao mínimo solavanco. P. que pariu: dezasseis anos de mercados e ainda não sabemos ver um bom negócio quando o sacana está todo sorridente a acenar-nos com plaquetes luminosas. Diacho!

Foi só no final do segundo dia que a luz iluminou as trevas e a notícia importante finalmente apareceu diante dos nossos olhos: a malta graúda que se queria desfazer dos direitos do BES já os tinha arrematado numa espécie de venda direta a investidores institucionais. O tal carregamento de direitos para vender que estava previsto desabar no mercado mandando as cotações para baixo, afinal nunca chegaria e nós íamos mesmo ficar a chuchar no dedo. Mas nessa altura, já a notícia tinha bolor de tão requentada que estava. E o pior é que esse tipo de anúncio muda tudo, como já tivemos oportunidade de assinalar no desabafo que publicamos neste mesmo local no dia em que o cisne negro levantou voo à frente dos nossos olhos. E essa mudança requer um tempo para recalibrar circuitos cerebrais. A colocação dos direitos de compra das novas ações por parte do BES diretamente junto de investidores e não no mercado, só é possível se existir a perceção de que o negócio vai compensar e o risco é reduzido. Nos AC anteriores (e diz o Expresso que a conta já vai num total de 18 mil milhões de euros em 5 anos) os bancos andaram ao tio tem lume para vender as novas ações, mas desta vez houve quem as quisesse apanhar logo por atacado, e ficasse com elas como se não houvesse amanhã. Que melhor sinal pode haver para a banca e até para o país?

A venda a institucionais muda completamente o cenário. Os AC eram maus para as cotações porque estava criada a sensação de que se tratava de dinheiro que se colocava num poço sem fundo, que aumentava o número de ações no mercado, diluindo o valor de cada título, e que não serviam para criar riqueza. Mas a forma rápida e certeira como correu esta manobra do BES (e, porque não dizê-lo, do BANIF), criou a sensação, pelo menos no curto prazo, de que desta vez o negócio vale mesmo a pena e que a banca pode realmente dar a volta por cima a partir daqui. É que, mesmo do ponto de vista do negócio em si, há, de facto, uma grande racionalidade em, neste momento em que as falências e as constituições de reservas tendem a diminuir (atenção aos testes de stress do BCE), ir ao mercado levantar dinheiro para pôr a casa em ordem mais rapidamente. Curiosamente, fica-se agora com a estranha sensação de que o ideal é que o próprio BCP anuncie o aumento de capital tão cedo quanto possível, porque há dinheiro disponível para entrar em força no negócio e é um disparate estar a pagar juros altíssimos ao estado por aquela caca de CoCo ou lá o que é. Claro que o montante que o BCP já chupou em aumentos de capital nos últimos anos, cerca de 3000 milhões, é quase tanto como o valor total do banco no fecho de sexta-feira (3600 milhões), sem contar com a ajuda do estado, o que nos leva à sinistra conclusão de que, por ora, o graveto foi-se pelo cano de esgoto. Mas isso, de momento, não nos põe dinheiro no bolso. O que a semana nos mostrou é que os AC já não são um bicho papão e transformaram-se numa oportunidade para entrar em títulos que começam a estar bastante apetecíveis e na moda. Pela parte que nos toca, aqui no NeB, não temos qualquer problema em mudar de campo. Afinal de contas, a Bolsa, tal como a vida, não é sobre ideias feitas, mas sobre leitura, compreensão e decisão, num misto de razão e emoção que tornam o produto final tão excitante.

Para o início da semana que vem, na impossibilidade de estarmos atentos a todas as nuances, deixamo-vos já algumas notas para que possam construir a vossa análise:
·       Fecho de sexta-feira com algumas Bolsas europeias e americanas em máximos históricos;
·       Início do mês de junho, em que está prevista a tomada de decisão do BCE quanto a um possível início de um programa de estímulos na Europa que combata o medo da deflação. O plano poderá passar por um financiamento direto aos bancos, que ajude a baixar as taxas de juro cobradas às PME, que poderão contratar mais gente, que terá mais dinheiro no bolso para gastar o que ajudará os preços a subirem;
·       Ressaca da decisão do TC em Portugal. A decisão era esperada e veremos se o Governo reage de forma que não deite gasolina na fogueira. Por outro lado, sai da mente dos investidores o receio dessa decisão: é menos um problema no horizonte;
·       Fim do aumento de capital do BES;
·       Aumento de capital no BANIF com procura 40% superior à oferta. O banco anunciou que quer antecipar a liquidação do empréstimo do estado. Por outro lado, ao contrário do que se esperava, o BANIF não vai realizar o reverse stock split já, mas apenas no final do ano.  As novas ações começam a negociar a 6 de junho.
·       PSI20 entalado entre uma curtíssima linha de tendência ascendente e a linha de resistência horizontal na zona dos 7150 (imagem abaixo).


Sem comentários:

Enviar um comentário