29.5.14

KAPUTT

Kaputt é uma palavra alemã que significa algo como destruição total, acabado. Presumo que se poderia aplicar a palavra, também, ao que aconteceu aos mercados financeiros em 24 de outubro de 1929.

Kaputt é também o título de um livro do italiano Curzio Malaparte (pseudónimo de Kurt Suckert), que tem por cenário a Europa da segunda guerra mundial, lugar e época a que, como nenhum outro, se pode aplicar um termo como Kaputt. Malaparte percorreu, no norte e leste da Europa sobretudo, durante quatro anos, como correspondente de guerra, e envergando a farda de oficial italiano,  alguns dos palcos principais onde se desenrolou o conflito: Polónia, Alemanha, Finlândia, Ucrânia, Roménia, Croácia, para acabar o livro numa Nápoles arrasada pelos bombardeamentos aliados.

A ação desenrola-se, por isso, no território do Eixo. Mas não são os acontecimentos históricos da guerra que ocupam as páginas do livro, mas as pessoas que viveram a guerra, fazendo-a ou sofrendo-a. O livro, maravilhosamente escrito, ocupa-se a descrever uma série imensa de situações, presenciadas quase todas por Malaparte, onde o Homem é mostrado a sofrer prodigiosamente ou, sobretudo, a infligir prodigiosos sofrimentos. Fascinante é descrição que é feita de uma quase intimidade de um dos mais altos elementos da cúpula nazi, o governador geral da Polónia, Hans Frank, um dos condenados à morte pelo tribunal de Nuremberga. Malaparte nunca nos interpela a tentar dar respostas, mas é inevitável que o 'como foi possível?' nos surja vezes sem conta.

A natureza humana é dissecada com rara habilidade por um observador minucioso e implacável, o que aliado a uma mestria rara torna Kaputt um livro ímpar no seu tipo. Considero mesmo que o livro talvez tenha criado para si um nicho único, onde nenhum outro se possa equiparar, o que não seria inédito nos livros de Malaparte, evidente em 'Técnica do Golpe de Estado'.

Extraordinário é também suceder que Kaputt não seja hoje um livro conhecido por aí além, quer tanto pelo seu valor literário como histórico. Pois que, dependendo do temperamento do leitor, tem potencial para se tornar para alguém o livro acima de todos os outros.

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