24.5.14

COMENTÁRIO AO BES

Nos dias a seguir ao anúncio da fusão da PT com a brasileira OI, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) veio anunciar que tinha alienado a sua participação na dona do MEO por um preço que tinha ficado perto dos 3,5€ por ação. Lembro-me perfeitamente de, nessa altura (há 3 meses atrás), ter ouvido Ricardo Salgado, presidente do BES, sugerir que a venda da CGD era incompreensível, uma vez que, depois da fusão PT/OI era expectável uma forte valorização dos títulos e que, no seguimento dessa linha de raciocínio, o BES não só não estaria vendedor da participação na PT como, inclusive, acorreria entusiasticamente ao aumento de capital da OI, investindo mais 75 milhões de euros. Dito e feito. Como é evidente, ninguém sabe se a empresa que resultar da fusão das duas operadoras de telecomunicações vai ser ou não rentável (embora toda a gente no meio ache que o Zeinal Bava é uma espécie de Steve Jobs dos telefones fixos e a coisa vai ser show di bola) e gerar lucros que correspondam às expetativas do presidente Salgado do BES. Mas há uma coisa que podemos já ter como certa: as ações da PT estão hoje na casa dos 2,8€, 20% abaixo do preço a que a CGD vendeu (e a brasuca OI amolou p’ra cima de 50% depois do anúncio). O negócio promete!

Esta passagem da história não terá provavelmente qualquer tipo de importância em termos de gestão, porque muitas destas operações são feitas numa ótica de longo prazo e há quem diga que a empresa que resulta da fusão PT/OI vai ser, de facto, um gigante das comunicações globais. Por outro lado, não creio que os administradores da CGD tenham vendido porque se aperceberam de que o preço ia para baixo e sejam uns génios visionários. É mais provável que tenham agido por pura questão de sobrevivência (precisavam de guito fresco). Mas o que isto demonstra é que a gestão destas coisas da banca e no caso particular do BES, que costumava ser tido como um exemplo do génio ao serviço da acumulação de riqueza, nada tem de verdadeira excelência. De facto, parece ser pura aritmética: o dinheiro gera mais dinheiro e, com a dose certa de sorte e perspicácia, com uns contactos tipo uma mão lava a outra e informação atempada é possível disfarçar, durante uma assinalável quantidade de tempo, todas as nossas insuficiências.

Agora o BES anda outra vez de mão estendida a pedir dinheiro para tapar buracos. Não se trata de dinheiro para investir numa nova linha de produção ou num produto inovador, mas sim de dinheiro canalizado do trabalho para cobrir a preguiça: a preguiça de se analisar como deve ser e viver sentado numa poltrona a produzir dinheiro ao mesmo ritmo a que se concedem empréstimos sem nexo (como bem se explica, em posts anexos, nas “Histórias de dinheiro”).

Mas nós, que felizmente não somos cegos, nem temos memória curta e tudo fazemos para não ser burros, mas também não temos ilusões nem vivemos num universo paralelo, tentamos de forma justa e com as ferramentas que temos ao nosso dispor garantir o nosso quinhão em toda esta malabarice.

Estamos em crer que na Bolsa o BES ainda vai passar por um mau bocado na próxima semana. O início da negociação dos direitos é provável que venha a ser penoso, porque há sempre muita gente que se quer desfazer deles, já que não está para abichar com mais umas lecas para mais este peditório.

Seja como for, depois de arrecadar mais 1000 milhões (diga-se que é para isso, afinal, que a Bolsa serve: para as empresas se financiarem, abrindo o capital e uma turbamulta de interessados), é possível que o BES fique em boa posição para dar umas alegrias aos crentes, pelo menos no curto prazo (que é, bem vistas as coisas, o prazo que verdadeiramente conta) porque, em princípio, só um asno completo falhará na banca depois de lhe taparem os buracos que a idiotice tinha gerado. Claro que, como se sabe, a idiotice e a sua prima, a burrice, costumam ser degenerescências de caráter incurável, pelo que manda o bom senso que sejamos prudentes, mas não podemos descartar, em boa consciência, uma entrada neste barco.

Para quem se decida a entrar, uma compra de direitos a bom preço é capaz de ser a jogada mais racional (não esquecer que o racional na Bolsa é facilmente chutado para canto). O preço dos direitos tende a ser igual a 0,4 a multiplicar pela diferença entre o preço das atuais ações e 0,65, que é, como se sabe, o preço das novas ações. Neste momento, por exemplo, o preço dos direitos deverá rondar os 0,081€.

Os direitos têm a vantagem de também poderem ser negociados e estão sujeitos a uma oscilação mais robusta do que ação, mas não se esqueçam de que ficar com os direitos implica ter de desembolsar mais 0,26€ por cada um para terem uma nova ação que só poderão negociar no dia 17 de junho, data em que haverá mais 1607 milhões de ações do BES à solta no mercado (os números são tão estrambólicos que a empreitada mais parece Astronomia, ou coisa que o valha). Portanto, há que pesar prós e contras, entre atacar nos direitos ou nas ações.

De acordo com o gráfico, o BES tem um suporte aos valores atuais, mas uma quebra é bem capaz de o levar aos 0,78€ (direitos a 5,2 cêntimos). E uma hecatombe atira-o aos 0,70€ (direitos ao módico valor de 2 cêntimos). Confiram, p.f.:



Diga-se que a esses dois últimos valores, o BES estará avaliado a:

- 4388 M€ no primeiro caso, o que se traduz num acrescento de valor de 137 milhões de euros relativamente ao dia em que o AC foi anunciado (contra uma injeção de capital de 1000 milhões);

- 3938 M€ para uma avaliação de 70 cêntimos por ação. Nesse caso, teríamos uma injeção de capital de 1000 milhões transformada numa perda de valor do Banco de 313 milhas das grandes, o que transformaria a operação num case study sobre a forma de melhor proceder à queima de notas de euro no menor espaço de tempo possível! Na Bolsa não seria inédito, nem tão pouco motivo para grande admiração, mas eu, que sobre isto nada sei, diria que estaríamos em presença de uma boa oportunidade para pagar as férias (e, porque não, o IRS).


Mais do que isto, lamentamos, mas não vos podemos fazer. Decidam que é para isso que têm a cabeça em cima dos ombros. E oiçam a cantiga abaixo que é gira e ajuda!

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