13.5.14

Conversas exemplares 2

Dinheiro e Liberdade



O meu amigo Tavares defende que esta crise em que estamos atolados se deve exclusivamente ao facto de a maior parte de nós ter esquecido para que serve o dinheiro. Exclusivamente parece-me forte, mas o Tavares insiste. O raciocínio dele labora na ideia de que, ao contrário das outras mercadorias, que servem para satisfazer as nossas necessidades ou caprichos, a função mais importante do dinheiro é dar-nos liberdade. E eu, que pensava que o dinheiro servia para comprar as coisas de que necessitamos, dou por mim banzado enquanto o oiço, pois faz-me uma certa impressão essa associação entre numerário e liberdade como se o 25 de abril tivesse alguma coisa a ver com os escudos que cada um tinha na algibeira. 

Mas o meu amigo não desarma e estipula que durante trinta e tal anos perdemos mesmo a noção do que é o dinheiro. Oiço o Tavares e ponho-me a pensar no meu avô e nas histórias que ele me contava de uma época em que as poucas pessoas que iam conseguindo juntar dinheiro ou sabiam rigorosamente o que fazer com ele ou, então, o curso normal dos acontecimentos encarregava-se de que deixassem de o ter em três tempos. E a verdade é que tanto quanto me lembro dessas histórias, a diferença entre ter ou não ter dinheiro nunca esteve em ser feliz ou infeliz, mas em garantir que se era livre, não no sentido que se dá agora de se poder dizer ou fazer o que nos der na real gana, mas antes num contexto mais realista e racional de não depender de nada nem de ninguém. E à medida que vou recordando essas histórias do meu avô, que saudades, volta-me essa sensação de imaginar como é difícil a vida, cheia de riscos e de sacrifícios, por causa do dinheiro que devemos tratar com respeito e parcimónia (mas nunca com subserviência) para que chegue o dia em que, de certa forma, nos torne livres. De maneira que, a dada altura, dou de barato que foi, de facto, esse conhecimento que se perdeu em pouquíssimo tempo que nos minou a liberdade que julgáramos ter conquistado com uma revolução e cravos ao peito. 

Mas até aqui talvez já toda a gente tenha chegado e eu por último. 

O Tavares, que é meu amigo, encarrega-se de me instruir com exemplos concretos. Um supor que te põem no olho da rua e ficas sem salário, qual é o problema se tens dinheiro para suprir às tuas necessidades? E mesmo que tenhas pouco dinheiro, qual é o problema se souberes como o multiplicar e não tiveres medo de o fazer? 

Mas a mim, enfarinhado como estou numa lógica de consumo, volta-me uma certa impressão de que, afinal de contas, isto não pode ser ao mesmo tempo tão simples, tão complicado e tão fora de moda. Não foi à toa que toda essa arte da poupança e do investimento se desvaneceu e julgávamos esquecida para sempre, porque não é com ordenados mínimos que te vai valer a pena poupar para prevenir o que quer que seja, de maneira que a solução óbvia está em estourar o guito todo de uma vez e pelo menos contribuir para que alguém venda mais e possa haver mais emprego. Isto parece-me de uma racionalidade muito saudável e a toda a prova. Ainda por cima, ao encher a casa de trastes e ao atualizares ritmadamente a quota que te cabe de gadgets inúteis vais assegurando a tua dose diária de felicidade instantânea, ao mesmo tempo que evitas ter o dinheiro parado no banco, ao serviço de um punhado de indivíduos pouco recomendáveis que se serve dele para fazer investimentos super lucrativos. 

Vendo que vacilo, o bom do Tavares muda de tática e envereda por um percurso histórico. Com o fim da escassez, conta ele, depois da revolução industrial, houve necessidade de criar uma dinâmica de consumo que permitisse rentabilizar o excesso de produção, ao mesmo tempo que mantinha ocupada a massa trabalhadora que de outra forma se tornaria supérflua com o surto da maquinaria. Veio, assim, aquilo que designamos por consumismo: a arte de tornar indispensável o que nunca nos fez falta, mas que alguém se predispôs a produzir e é necessário escoar. Não foi uma coisa pensada, como é óbvio, embora há mais de duzentos anos já fosse evidente que a oferta cria a sua própria procura. Com o passar do tempo, que é o escultor das sociedades, viemos ter a esta época em que ou tu te tornas fugral e usas o dinheiro para investir e tentar ficar livre ou trocas o dinheiro por mercadoria que não falta mas que acabará por te acorrentar e dar cabo do canastro. O mal da primeira opção é que dá muito mais chatices e menos alegria instantânea, sendo totalmente desadequada a exibicionistas. 

Agora é fácil falar, mas houve gente que ao longo de mais de trinta anos andou a poupar e a investir as poupanças para nos financiar o consumo. Para fim de conversa com o Tavares, reconheço que, ao não saber lidar com o dinheiro, nos pusemos coletivamente do lado dos que não são livres.

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